Por Meon Em Opinião

Glorioso Alvinegro Praiano

‘Fale sobre o seu Santos’, diz a professora Rogéria, reluzindo, num sorriso escancarado, o metal de seu aparelho ortodôntico enquanto me apresenta seu companheiro, com quem acabara de dividir os votos de matrimônio. É uma festa no descampado duma ADC. Faz frio e estou enfiado em duas blusas pesadas. A maior delas me protege até o começo do queixo.

Devolvo o sorriso empolgado ao casal. Ela de vestido de noiva, ofuscado pelos olhos transbordando felicidade. Dele não me lembro bem. Imagino um homem esguio, agachando-se um pouco para bagunçar, em espontânea simpatia, meus cabelos gelados.

Aos sete anos o Santos era meu time-resistência. Perdia de todo mundo. Mas perdia jogando pra frente, confrontando os grandalhões com a coragem de um Alberto Caeiro, versando, a cada drible do ponta direita Almir, ou gol de bicicleta do centroavante Guga,  algo como: ‘Porque sou do tamanho daquilo que vejo/E não do tamanho da minha altura’, na cara dos adversários.

A professora Rogéria dizia isso talvez porque, numa das minhas primeiras lembranças do colégio eu preenchia a carteira com a palavra Santos repetida cinco mil vezes. Tinha a escrita insipiente, a letra S, em maiúsculo, era daquelas bem difíceis de executar, a mais desafiadora do alfabeto. Dá para imaginar, então, como era decepcionante obedecer as instruções da Rogéria quando me pedia para apagar aquela obra toda.

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Santos de 1992 era inspiração para as peladas no campinho do bairro Vista Verde

Reprodução

Embora os atacantes do Santos fossem os destaques daqueles times da minha infância, era um lateral, o Índio, meu ídolo maior no Alvinegro Praiano. Eu adorava aquele lance dos laterais do Santos usarem números de zagueiros – tendência que segue até hoje. O Índio era o número 4. 

Índio apoiava como um atacante. Quando investia pelas laterais do campo encarava os adversários na velocidade e nos dribles secos, trocando, de uma hora para a outra, a direção de sua rota. Quando surpreendia a zaga, deixando a lateral para o centro do campo rival, disparava flechadas em diagonal. As bolas, nas minhas melhores lembranças, encontravam o ângulo inalcançável do gol, de onde o goleiro saltava protocolar, apenas para garantir que fez seu máximo.

A 4 que eu carregava nas costas durante rachões que promovíamos no gramado da viela entre as ruas 47 e 45, no bairro Vista Verde. As traves eram toras de madeira que fincávamos, com a ajuda dos adultos. Não havia travessão, o que gerava discussões acaloradas no ímpeto de convencer o time adversário que a bola, que cruzou os paus a uma certa altura, teria de fato consolidado um gol.

Uma ameaçadora coluna de plantas, daquelas que trazem espinhos em seu caule, margeava o que eram as laterais do nosso campinho. Ainda assim, aquele setor ameaçador do gramado era onde eu me destacava nas partidas, inspirado na responsa que a camisa do Santos, patrocinado pela Coca-Cola, me conferia.

Mais de vinte anos depois carrego não mais a 4 do Santos, mas a marca de ter virado a casaca. Um trio persuasivo formado por vô Geraldo, tio Adilson e primo Marcelo trocou passes precisos e, com rapidez, me converteu ao tricolor do Morumbi.

Olho para o Santos, porém, sem sombras de arrependimentos pela minha decisão. Te amei, Peixão, quando a escola toda vestia outras cores e enquanto amargavas campanhas terríveis. Te fui fiel no espólio dos Meninos da Vila. No hiato entre os títulos. Quando, enfim, te deixei, já tinhas espaço aberto para Giovane, Diego, Robinho, Ganso e Neymar.

Agora comemoro, assim com toda discrição, suas vitórias. Como aquele ex que ainda reserva um amor tímido pela mulher que abandonou. Saibas, Alvinegro, que das minhas relações terminadas, a que dividi contigo é a única bem resolvida.

Amigos, então?

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