Por Meon Em Opinião

O tal bom senso não escrito em nosso CTB

Em tempos de novos olhares sobre as cidades e a pluralidade de pessoas - em idade, jeitos e formas de se deslocar - que por elas circulam... cabe hoje uma reflexão sobre o atropelamento da senhora idosa, em São José, essa semana, na zona oeste.  Mas, vamos além do fato em si, pois não quero divagar em apontar dedos ou culpados. Muito menos, aguardar o que dirá o laudo da perícia. Não me importa se ela olhava - ou não - seu celular. Tampouco me importa o que diz nosso CTB (Código de Trânsito Brasileiro). Afinal, em nenhuma linha de seus 341 artigos está escrita a palavra “bom senso”.  Não é mesmo?

Importa-me como exercemos nossa convivência pelas ruas partindo, acima de tudo, da noção que temos sobre o veículo que estamos dirigindo (ou não). Aliás, muita gente ainda não entendeu que os direitos e deveres de cada um – segundo nosso CTB – variam justamente de acordo com os diferentes modais que usamos.  Nunca se ouviu falar que um pedestre em trânsito, ao colidir com outro pedestre numa esquina, o matou.  Percebe? Ou que numa colisão entre motorista e ciclista, machucou-se o primeiro e o segundo, intacto ficou.

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Quanto maior o veículo, maior a responsabilidade do condutor sobre as pessoas ao redor

Felipe Kyoshy/Meon

O problema é que fomos tão bem escravizados pela secular e imperativa cultura do automóvel que uma série de lógicas invertidas domina todo nosso bom senso e deixamos de enxergar quem, no dia a dia, está mais fragilizado nas ruas (cumprindo ou não as leis do CTB, sendo ou não uma nação extremamente educada e civilizada).

Reparem, por exemplo, como ouvimos inúmeras vezes frases assim: “mas, o pedestre estava fora da faixa de travessia”, “mas, o ciclista estava na contramão”, “mas, o pedestre atravessou com o sinal vermelho ou falava ao celular”.  E por aí vai uma série de argumentos que, aceleradamente, não ajudam em nada a promover nossa convivência zelosa e pacífica pelas ruas e parecem colocar na mesma balança aquilo que são os ditos deveres de cada um.

Vamos lá: classifiquemos então – como muitos desejam - todos aqueles “mas” como graves infrações de trânsito dos pedestres e ciclistas. Certo? Acontece que “infrações” cometidas por quem não está dentro de uma armadura de ferro, na certa, poderão lhe causar a própria morte. O risco trazido para si próprio é eminente.  Beira a fatalidade dependendo da situação.

E o que acontece quando um motorista acelera numa contramão, dirige falando ao celular ou vara um sinal que está vermelho para ele? Aliás, são todas infrações que – infelizmente – se veem aos montes por aí (destaco a “falação” e o manuseio do celular, sobretudo).  Muitas vezes, ao causar o acidente, ele sairá completamente ileso, tendo matado uma, duas ou até mais pessoas.  Aliás, resultado tristemente comum das combinações entre direção dos motorizados e o álcool.

Portanto, o tal bom senso não citado em nosso CTB reside em reflexões assim: a minha responsabilidade sobre aqueles ao meu redor cresce à medida que aumenta também o tamanho da lataria e da velocidade motorizada que levo, comigo, para as ruas.  E cruzar, em nosso caminho, pessoas a pé ou de bike que estejam cometendo “infrações” é motivo para nos deixar mais atentos ainda ao invés de raivosos.  A atenção é protetora. Já a raiva em boa coisa não costuma dar e, em nada, nos educará.

Os caminhos são outros e as cidades também...

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