Por Meon Em Opinião

Por menos espíritos Wheeler ao volante

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Escrevo esse texto às vésperas do Dia Mundial Sem Carro comemorado em 22 de setembro e, dessa vez, resolvi trazer uma reflexão em torno de um clássico desenho animado que já completa 67 anos! Eis que a arte imita a vida e, pateticamente, inúmeros condutores de automóveis riem das cenas com aquela total incapacidade de se enxergarem como verdadeiros senhores “Wheeler” à medida que abraçam o volante e competem as ruas de forma demoníaca com as demais pessoas. 

A manhã nasce esplendidamente azul. Assovios ao vento e um belo “bom dia” é dado à esposa, aos filhos, aos vizinhos e até para as flores do jardim. O senhor Wheeler, antes de entrar em seu possante conversível Lincoln Zephyr, é o senhor “Walker” – o típico cidadão comum. É gentil, honesto, amável e, claro, pontual.  Incapaz de fazer mal a uma mosca ou a uma formiga. Portanto, senhor Walker é um cidadão exemplar à sociedade e, sendo assim - obviamente - considera-se um bom motorista.

Mas, os homens comuns (hoje diríamos “homens de bem”) são também criaturas de hábitos peculiares, não é mesmo? Basta abrir a porta de seu veículo e tomar o seu assento para que em questão de minutos – talvez segundos – o senhor Walker se transforme em senhor Wheeler.  Pode-se afirmar: surge de dentro dele, um novo eu que o domina.

Sua expressão vai mudando. As acelerações – do ronco do motor e de seu coração – crescem. Ele até sua, arregala os olhos, cresce mais ao volante e a poucos metros de sua casa – ou melhor, já na travessia da calçada para atingir a rua -, grita para o pedestre “ei, olhe por onde anda!”.  E em seguida, na via, poucos minutos depois, ao se deparar com algum veículo circulando em velocidade mais moderada, buzina e grita enfurecido “eu quero passar, sai da MINHA frente!”.

Pronto: senhor Walker, dentro de sua lataria motorizada de quase uma tonelada se deixou levar por uma fortíssima sensação de poder.  Está possesso. Aquele “homem de bem” que dá bom dia até para as flores dos alheios jardins se transforma, diariamente, no diabólico motorista. Ali dentro, fechado, sente-se praticamente um anônimo e, assim, mais seguro para revelar através do automóvel aquele seu eu narcisista que tanto prejudica a vida em grupo.

O clássico cartoon intitulado “Motor Mania” segue tragicomicamente atual passados 67 anos da sua criação. Trouxe para a coluna apenas partes das cenas deste desenho que, já na sua época, fazia uma crítica ferrenha sobre o adoecimento social que o automóvel era capaz de trazer.  A cena, por exemplo, do senhor Wheeler enfurecido diante do sinal vermelho, associando-o como um “tempo precioso perdido de sua vida” considero icônica. 

Afinal, o problema reside – apenas - no sinal vermelho.  Aquela imensidão de carros que hoje vemos a nossa frente – o sagrado trânsito de cada dia – não é problema e nem perda de tempo. O trânsito, pois bem, já virou um lyfestyle! Mas, por favor, por menos senhores Wheeler pelo caminho...

Federica Fochesato é jornalista e educadora

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