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A mulher com deficiência e suas expectativas maternas

Por diferentes motivos, ainda pesa nos ombros desse grupo de mulheres o preconceito sobre sua natureza reprodutiva

Mateus Lima – Professor e pessoa com deficiência visual (Arquivo Pessoal)

Escrito por Mateus Paulo de Lima

30 MAI 2022 - 16H04 (Atualizada em 31 MAI 2022 - 09H21)

Oi gente. Maio está terminando e deixando para trás duas datas que celebram temas singulares. Falo do dia do trabalho e do dia das mães. Sobre o primeiro, já abordamos anteriormente, porém, com relação ao segundo, o popular dia das mães, especificamente na perspectiva da pessoa com deficiência, a mulher PCD, precisamos pontuá-lo melhor. Por diferentes motivos, ainda pesa nos ombros desse grupo de indivíduas o preconceito sobre sua natureza reprodutiva. Não vou me deter exclusivamente a problemática da sexualidade, porque também já falamos dela. No entanto, sexualidade e reprodução nos levam ao tema central de hoje que é exatamente a questão sobre constituir família e exercer a maternidade na experiência PCD.

Na minha vida de cego e de professor, sobre grupos socialmente vulneráveis, acompanhei de perto muitas PCDs que cresceram dentro de contextos sócio familiares limitados pedagogicamente. Incrédulo, observei o quanto essas pessoas não recebiam a devida orientação para o futuro arbítrio de seu instinto materno. É como se, por possuir deficiência, esse grupo esteja menos apto à dar os passos necessários para amadurecer, viver suas paixões e aprender amar. O entendimento sobre a questão materna e seu livre exercício começa em casa, na promoção de uma formação social pautada no diálogo, com instruções formadoras direcionadas, bem como um forte incentivo emocional que considere todas as etapas de qualquer relação. Deixemos questões de gênero, identidade sexual e adoção para um tema futuro. Hoje vamos permanecer na reflexão sobre a maternidade para PCD, somente do ponto de vista reprodutivo. Aquela máxima do homem e da mulher, do espermatozoide que fecunda o óvulo. Se o entendimento mais raso sobre esse tema já se manifesta polemico, imaginemos então como ficaria extenso um texto que versasse sobre todas as abordagens sensíveis.

Quando uma mulher quer ser mãe, independentemente das condições socioeconômicas e familiares de que dispõe, ela se realiza e pronto. Entretanto, quando uma mulher com deficiência decide ter filhos, não falta quem a tente dissuadir. Gente sem instrução que só consegue apontar as faces negativas da reprodução alheia, vinculando sua deficiência com sua capacidade de ser mãe. Esse pensamento mesquinho deriva daquela velha preconcepção de que, se engravidar aconteceu com uma PCD; ou foi irresponsabilidade dela ou foi, ela, vítima de algum mal. Nesse sentido, estudos feitos por entidades de promoção dos direitos humanos para a América Latina, comprovam que, uma vez grávida, a mulher com deficiência sofre até três vezes mais do que aquela fisicamente plena em sua saúde. Um levantamento que ainda não abrange aquelas gestações que sequer chegam a base de dados sociais do poder público. Frequentemente, as APAES, ONGs e projetos sociais que dão assistência à PCDs, testemunham esses episódios.

Agora, saindo da perspectiva da gestação da PCD em estado de vulnerabilidade social, vamos pensar na mulher bem instruída, aquela PCD que recebeu todas as possibilidades e informações necessárias ao exercício de uma vida independente. Mulheres que trabalham, não dependem de benefícios sociais, que se relacionam naturalmente com pessoas como se deficiência não tivessem. Enfim, essas indivíduas bem preparadas para construírem um lar e uma família. Mesmo essas mulheres, as PCDs independentes, também elas sofrem grande descriminação quando se veem grávidas, quando estão no pleno exercício do direito ao seu estado de graça. Caro leitor, neste ponto lanço lhe um desafio. Se você ainda alimenta dúvidas sobre a recorrência do problema que apresento, convido você a entrevistar alguma mãe com

deficiência e perguntar para ela, com todo respeito, se ela sofreu algum preconceito quando gestante. Aposto contigo que a resposta será positiva. O objetivo deste desafio é leva-lo a compreender que o preconceito sobre a maternidade para a mulher com deficiência, vergonhosamente, ainda permanece um gigantesco obstáculo no ceio da sociedade.

Conforme abordamos até o presente, sobre esse assunto, não há proposta resolutiva que não perpasse por uma profunda conscientização popular. Viver com uma deficiência, por si só, já é difícil. Ser mulher e ambicionar a maternidade, para uma PCD, tornou-se algo ainda mais complicado. Agora, deixar de enfrentar aqueles que pensam contrariamente ao livre exercício materno, isso é inaceitável.

Visitando o lado exterior ao tema da maternidade, eu devo fazer justiça e chamar a atenção da pessoa, com e sem deficiência, homem ou mulher, em uma relação ou sozinha, que ao optar por ter filhos, essa pessoa deve fazê-lo conhecendo as consequências, sabendo pedir ou aceitar auxílio, consciente de sua própria condição e arcando com o ônus daquilo que vier a se tornar sua vida a partir da maternidade. Ter deficiência e desejar ter filhos, é de justo direito. Agora, ter deficiência e esperar que o mundo seja piedoso, é infantil, sinal de despreparo.

Existe outro lado dessa discussão materna que também podemos pensar. Falo do pai com deficiência. Muitas vezes presenciei mulheres cujo companheiro ou cônjuge é PCD, e que são desacreditadas por terceiros que julgam tratar-se, o homem PCD, de uma companhia incapaz de suprir a função paterna. Embora tenhamos decidido não ter filhos, quando me casei, devido minha cegueira, minha esposa reorganizou seu ciclo de amizades ao constatar abismada, opiniões toxicas ao meu respeito. Gente que, inclusive eu, acreditava ter algum discernimento social. Certa vez a interrogaram se era ela quem me banhava. Isso porque eu sou apenas cego.

Para concluir, vamos entender, de uma vez por todas, que quando oportunizada e conferida as devidas condições para uma PCD, ela tudo pode, inclusive realizar-se enquanto mãe e mulher. Obrigado a amiga Aline Borges que sugeriu este tema. Militante da causa PCD, Aline tem contribuído significantemente ao administrar, por exemplo, espaços virtuais de discussão inclusiva como o grupo de WhatsApp Lanterna Cultural. Duvidas e sugestões, contate escrevereincluir@gmail.com e vamos juntos promover uma sociedade mais tendenciosa ao diálogo.

Escrito por
Mateus Lima – Professor e pessoa com deficiência visual (Arquivo Pessoal)
Mateus Paulo de Lima

Professor e pessoa com deficiência visual

Graduado em pedagogia. Pós graduado em: Ciências Sociais pela PUC Rio e Políticas Públicas pela PUC DF

Atuou 10 anos como professor da rede estadual do Estado de Rondônia nas disciplinas de Sociologia, Filosofia e Educação Especial

Atualmente trabalha com palestras motivacionais

escrevereincluir@gmail.com

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