Ilustração/Fernando Madona
Era para ser um domingo normal, como todos os outros sempre foram. Nesse dia, havia saído pela manhã com a minha mãe e lembro de apressá-la porque a corrida iria começar. Claro, era uma criança, ela nem deu bola. Mas minha ansiedade aumentava a cada minuto que se passava. Como fazia todos os domingos sentava na sala com meu pai e meu irmão para assistir os GP's de Ayrton Senna pela Fórmula-1. Era parte de minha vida. Às vezes quando meu pai não me acordava eu ia na cama chamá-lo para ir pra frente da TV ver aquele, que na minha opinião, foi com toda certeza o maior piloto de F1 que acompanhei.
Ficávamos não só acompanhando as corridas, olhando os carros voarem, mas também torcendo como se fosse a seleção brasileira em campo, como se fosse um gol, ou uma cesta de três pontos. Mas aquele dia, fatídico, mudaria todas essas histórias de domingo. Assim que estacionamos na frente de casa, meu pai abriu a porta com um olhar assustado e pronunciou palavras que inevitavelmente relevei: "o Senna sofreu um grave acidente e está entre a vida e a morte". Me assustei na hora, mas pensei: "ele tá viajando, o Senna?".
Mesmo assim sentei na frente da TV e de lá não saí. Me lembro que a imagem de Senna deixando o autódromo de helicóptero me deu um certo conforto e a esperança de que tudo terminaria bem. Mas, como todos sabemos há 20 anos a história de uma criança, de um pai e um irmão, que acordavam todo domingo para ver as corridas de fórmula 1 acabou -junto com a história de Senna-, na curva Tamburelo.
Quando entrou o plantão em que Léo Batista noticiou a morte cerebral do piloto, sai em disparada atrás do meu pai e perguntei: "o que é morte cerebral?". Ele respondeu: "é quando não há mais volta meu filho, ele morreu". Morreu? Mas, como? O coração ainda batia, ele respirava. Voltei pra frente da TV e fiquei até a confirmação final.
Os dias que se passaram foram muito sofridos para mim. Acompanhei a cada passo do corpo dele até a chegada ao Brasil e o cortejo até a Assembleia Legislativa de São Paulo. As ruas lotadas, pessoas chorando e eu, um menino de 10 anos, agoniado pensando o que seria dali para frente. No dia em que Senna foi enterrado eu chorei o dia inteiro e quando tinha parado, o noticiário noturno me fazia relembrar do ídolo, do herói que ele foi para mim e que não veria mais. Meu pai ficava do meu lado e tentava me acalmar, em vão.
A primeira corrida pós-Senna foi uma tortura. Abandonei no meio do GP e, de lá pra cá, meus domingos se transformaram. Tentei por muito anos acompanhar, mas não tinha mais vontade, pensava: "e agora? Como eu poderia torcer para alguém ganhar uma corrida?". Era como se meu time do coração fechasse as portas. Eu não via saída, não tinha saída.
De todos aqueles heróis que se vê em filmes, quadrinhos e desenhos, que um dia existiram e sempre vão existir no imaginário das crianças, eu tive um, de pele osso, que podia ver todo domingo, ao vivo, em algum lugar do mundo. E hoje presto essa pequena homenagem ao meu maior ídolo dentro do esporte em um domingo de manhã, data que sempre vai ficar marcada em minha memória por emoções, como as vitórias no GP do Brasil em 91 e 93, ultrapassagens inesquecíveis como em Donington Park, em 93, e vitórias fantásticas, como as que Senna trazia de Mônaco.
Que o nome Senna fique para sempre imortalizado no esporte mundial, como a figura de um herói capaz de criar uma história emocionante e diferente a cada domingo de corrida.
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