Por Meon Em Opinião

Sabiá, a majestade indesejada

Não faz tanto tempo li uma reportagem num famoso jornal, abordando as reclamações enfurecidas dos paulistanos com a “poluição sonora” causada pela cantoria noturna dos sabiás-laranjeiras, esses seres diabólicos que atrapalham o silêncio reinante nessa pacata cidade de 15 milhões de almas penantes.

Não sou nenhum eco-natureba panfletário. Cobras peçonhentas, aranhas caranguejeiras, escorpiões e tempestades também fazem parte da natureza, mas prefiro vê-los longe de mim. Mas reclamar do barulho de canto de sabiá na histriônica pauliceia desvairada já é um pouco demais pro meu estoque de Fenobarbital.

O povo de São Paulo já está tão habituado com a selvageria que se assusta quando se encontra fora de sua zona de desconforto. Já se acostumou a não encontrar mesa na barulhenta praça de alimentação, onde possa comer em paz o seu hambúrguer feito de borracha e colesterol. Já se acostumou a sair do trabalho mas não chegar em casa, porque o trânsito não transita.

Já se acostumou a fazer recreação nos shoppings, sobrecarregando o cartão de crédito que o obrigará a trabalhar mais horas e ficar ainda mais refém do seu escravizante estilo de vida sem sentido. Já se acostumou com o monóxido de carbono e com a brisa biodesagradável que sopra do Rio Tietê. Já se acostumou com tratores, britadeiras e o ronco de motores e companheiros de alcova. Mas não se acostuma mais com o canto de sabiás. De tão acostumado com o caos, se assombra com a paz.

Numa cidade em que toda semana se troca uma área verde por um prédio que vai piorar ainda mais o trânsito, não é de se espantar que os pássaros migrem para o topo dos prédios, ou o que quer que tenha sobrado para eles nessa selva de concreto armado.

São Paulo, assim como muitas cidades brasileiras, precisa de menos trânsito, menos concreto, menos neurose, menos burrice urbanística e menos incivilidade. E um pouco mais do canto de sabiás.

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