SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Vez ou outra, o pomposo salão onde o Globo de Ouro promove a sua festa anual é invadido por polêmicas, com acusações de corrupção dirigidas à Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, a HFPA, responsável pelo prêmio, e aos métodos pouco transparentes usados pelos estúdios para promover seus filmes e séries.
Mas agora, às vésperas de sua 78ª edição, que dá início à temporada pandêmica de premiações, a cerimônia se vê sob um risco maior de derretimento, com indícios mais concretos de suborno e queixas mais duras sobre a falta de representatividade.
A mais recente bomba foi servida pelo jornal americano Los Angeles Times, que publicou uma longa reportagem expondo o que seriam tentativas de compra de votos e outras políticas que põem a lisura da HFPA em xeque.
O Globo de Ouro acabou ganhando mais manchetes do que pretendia, direcionadas mais ao escândalo do que aos indicados de sua festa. Independentemente dos nomes inscritos nos cartões de vencedores da premiação, estará à espreita a desconfiança em relação às escolhas feitas pelo seleto grupo de não mais do que 90 integrantes da HFPA.
Um dos exemplos mais contundentes do que vem motivando o constrangimento é a ostentosa campanha de divulgação de Emily em Paris, indicada ao prêmio de série de comédia e de atriz do gênero.
Em 2019, quando o título estava sendo gravado, mais de 30 votantes da HFPA foram convidados a visitar o set de filmagem na capital francesa. Eles se hospedaram num hotel de luxo, com diárias a partir de R$ 7.600, e compareceram a um almoço num exclusivíssimo museu privativo.
Outros jornalistas sem relações com o Globo de Ouro integraram a comitiva, mas os convites à HFPA podem ajudar a explicar como a série que tem pouco a oferecer além de entretenimento escapista e dividiu os críticos entrou na lista das melhores do ano.
Deborah Copaken, uma das roteiristas de Emily em Paris, causou ainda mais estranheza ao publicar um artigo no britânico The Guardian, no começo do mês, em estado de choque pela indicação e lamentando que, por outro lado, obras como I May Destroy You, que trata de temas urgentes, tivessem sido esnobadas.
O caso levantou dúvidas sobre a imparcialidade dos votantes e fez com que o público lembrasse de episódios semelhantes. Em 2010, houve uma viagem a Las Vegas com direito a um show de Cher, para promover Burlesque. Com 36% de aprovação no agregador de críticas Rotten Tomatoes, o filme foi indicado a melhor comédia ou musical e venceu o Globo de Ouro por uma de suas canções, que nem deu as caras no Oscar.
Neste ano, mais polêmica, na mesma categoria de filme de comédia ou musical. O indicado suspeito da vez é Music, que vem sendo execrado pela crítica, principalmente por seu retrato ofensivo do autismo. No Rotten Tomatoes, o longa tem 10% de aprovação.
Não que outras premiações como o Oscar não estejam expostas a perigos, mas influenciar as escolhas de uma organização com mais de 10 mil membros votantes, como é o caso da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, é um processo mais complexo.
Já a HFPA é formada por cerca de 90 jornalistas estrangeiros radicados em Los Angeles. Em sua maioria, são freelancers, que com frequência são acusados de clubismo.
Entre as mais de 50 pessoas ouvidas pelo Los Angeles Times, estavam membros atuais e passados que dizem existir, hoje, uma disputa interna na HFPA. Há quem queira reformar a organização, reforçando seu código ético. Mas uma boa porção prefere deixar as coisas como estão. A situação atual inclui falta de critérios claros para a admissão de novos associados e a inexistência de negros entre eles o que ajuda a explicar o número pífio de atores não brancos indicados neste ano.
As viagens como a de Emily em Paris são uma pequena fração das regalias oferecidas à HFPA. Muitos estúdios são acusados de dar a seus membros acesso exclusivo às estrelas de seus filmes e séries, além de os convidar para festas VIP da nata de Hollywood. Presentinhos também são frequentes e muitas vezes têm mais do que valor simbólico.
Em 1999, por exemplo, 82 jornalistas da organização precisaram devolver relógios da grife Coach, de US$ 400 cada em valores da época, que foram presenteados pelo estúdio por trás do longa A Musa.
Segundo um estrategista que trabalha em campanhas de grandes estúdios e por isso não quis ser indentificado, as regras da HFPA são muito mais relaxadas do que as do Oscar. Na visão dele, há um problema ético que assombra a premiação, já que seus votantes podem ser persuadidos pelos estúdios isso quando não são amigos de seus executivos. Tudo se resume a quem tem mais dinheiro para turbinar suas chances no Globo de Ouro.
Além dos escândalos de votos, a HFPA vem destinando uma parte significativa dos milhões de dólares que consegue pela venda dos direitos de transmissão de sua cerimônia à emissora NBC ao pagamento de seus membros por integrarem comitês e coordenarem eventos. Esse tipo de gasto catapultou de R$ 4,5 milhões em 2016 para quase R$ 12 milhões em 2020, apesar de o número de membros permanecer estável.
Procurada, a HFPA informou por meio de um representante que reformou recentemente seu código de conduta e que seus membros comparecem a sets de filmagem, premières e entrevistas como quaisquer outros jornalistas. A ideia de que essas visitas influenciam nas indicações é, para a organização, absurda e estritamente proibida. Ela também afirmou nesta semana que está trabalhando para trazer mais diversidade ao seu quadro.
Você pode se perguntar por que o cinema e a TV continuam tratando o Globo de Ouro com tanta importância, mesmo diante dos escândalos. A resposta é porque é cômodo. Todos ganham com essa falta de transparência pelo menos todos com algum poder em Hollywood.
Há quem vire o nariz para a HFPA, como Gary Oldman fez por anos, mas é difícil resistir a um tapinha nas costas. Em 2018, ele venceu o prêmio de ator em filme de drama e, em seu discurso, garantiu que a associação recebesse um agradecimento.
Neste ano, ele está novamente indicado na categoria.
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