Meon Jovem

Déficit à vontade

Um conto sobre rodízios e os famosos "coma à vontade"

Cássio Dimitri Lopes de Araújo

Escrito por Cássio Dimitri Lopes de Araújo

16 AGO 2022 - 18H55

Reprodução

Você viu por aí um rodízio ou “coma à vontade” em qualquer restaurante? Olha, estou precisando muito saber de qualquer um desses. Então, me avise se ver algum, por favor. Infelizmente, não sei por qual razão, mas nunca mais os vi… Só resta desabafar meus pesares: nem comer mais diminui minha tristeza! Agora, tudo está mudado para o bendito “por quilo”: muito pior do que já era antes! Quinhentas vezes mais caro e quinhentas vezes mais dor. Tenho que pagar porque como, veja só!

Enfim, contar uma de minhas histórias (não estória!) é difícil, mas gosto muito de lembrar dos velhos tempos! Sabe, houve uma vez que passei em frente a uma loja de doces ou de café da manhã (nomes não me importam, o que me importa é a comida) e só vi: “sirva-se à vontade por 50 reais”. Corri para dentro num desespero inimaginável. Não estava com tanta fome assim, mas queria que o dono não me negasse a entrada, caso me conhecesse.

Bem, não me conhecia, o que foi ótimo. Tenho a impressão que metade dos restaurantes me conhecem. Me sinto um espião em território inimigo. Pois bem, voltemos ao assunto. Ah, não me canso de lembrá-los: como eram bons! Podia-se comer o quanto se queria e ainda sobrava espaço para mais. Sim, custavam 30, 40, 50… 185 reais, mas no final eram tão bons.

E voltemos novamente a aqueles rocamboles, toda aquela comida por apenas 150 reais… Tão barato! Gosto de comer, além de que eu, magrinho desse jeito, tenho que comer muito para engordar.

—Quer o rodízio? Ok. Todo o catálogo está no cardápio. E qual é seu pedido?

—Humm, deixe eu ver… Me traga uma bandeja com 100 salgados diferentes. Dez de cada. Isto é: dez kibes grandes, dez rocamboles recheados e dez…

—Sim, entendi…

—Mas, vocês só tem esses dez tipos?

—Não, temos mais. Temos 15 tipos: temos de pizza, de…

—Pode trazer dez de cada um desses quinze então.

—Sen… Senhor…

—Pois não?

—Não é muita coisa?

—Como?

—São 250 unidades de doces e salgados, no total. Nós cobramos um real por unidade desperdiçada no rodízio, então…

—É que não almocei e quero uma coisa diferenciada.

Na verdade, já tinha almoçado: 14 pás de arroz e cinco conchas de feijão-branco, feijão-tropeiro, batata, farofa, farinha, cebola (três), cenoura e duas dúzias de ovas de galinha. Ah! Agora lembro. Naquele dia também tive café da manhã… Há diferença entre café da manhã e almoço? Enfim: quatro pães com manteiga e dois copos de café com bastante leite. Ah! Como eu esqueço das coisas! Além de que bebi uma jarra de suco à noite. Sabe como é, tirando a fome antes de ela chegar.

Enfim, nada demais.

Voltemos ao restaurante: Logo chegou meu prato; somente para alguns era uma bandeja. Lá havia uns bolinhos bem pequititicos. moleza, iria arrasá-los rapidamente. Peguei alguns e enfiei cinco nos dedos da mão direita e outros cinco na esquerda; olhei para o garçom extasiado com uma certa cara de surpresa.

—Hummmm. Gostaria de um suco.

—S-Sim. Qual?

—Um de abacate com bastante leite, o maior que você tiver.

E me trouxe então: um jarro. Enfiei aqueles bolinhos no pequeno pote de dois litros, cada um deles enfiados nos meus dedos, como se fossem marshmallows. Quando cobertos com a mistura, aquela gordurosa pasta verde, comia tudo (hum!). Repeti o mesmo processo novamente até os 250 docinhos acabarem. Demorou muito tempo, para o meu pesar — seis minutos.

—Quero mais 50 desses, mas só de salgados.

Pois bem; estava eu pedindo a terceira bandeja de 50 salgadinhos, e um homem de terno e gravata, parecendo que saía da igreja, saiu de dentro do estabelecimento e ficou olhando para mim. Estava tão entretido (se esta é a palavra certa) em devorar mais de 900 coisas que até hoje não sei se falou comigo imediatamente depois de ter saído de lá ou se demorou mais um pouco me observando, sei lá o porquê.

—Amigo?

—Pois não?

—Gostamos muito de você aqui… Você realmente alegra esse lugar, muitíssimo.

—É claro, obrigado.

—Sou o dono da confeitaria e, por ser um cliente tão gente boa, te ofereço um acordo.

Ah mesmo, era uma confeitaria! Me lembrei. Verdade. Não teria café da manhã às quatro horas da tarde, burro que sou…

—Como assim?

—Nós vamos devolver todo o dinheiro: você não vai pagar absolutamente nada, nenhum centavo sequer, e ainda vamos te dar lembrancinhas. Quer saber? Ainda vamos pagar o que você comprou se você nunca mais aparecer aqui.

—Pensando bem, acho que vou ter que sair. Lembrei que preciso preparar o jantar.

E então, desapareceram essas coisas, não? Estou há tanto tempo procurando e meu coração ainda dói nessa procura. Até parece que operam com déficit…

Com supervisão de Léo Lenzi, jornalista do Meon Jovem.





Escrito por
Cássio Dimitri Lopes de Araújo
Cássio Dimitri Lopes de Araújo

1º ano do Ensino Médio - Colégio Embraer Juarez Wanderley - São José dos Campos

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