A mensagem circulou pelo WhatsApp na manhã de uma quinta-feira. De tom alarmista, denunciava que dois homens, em atitude suspeita, davam voltas pela calçada da Escola Raul Brasil, em Suzano, onde as lembranças do massacre com dez mortos, ocorrido dias antes, nem sequer haviam esfriado. Os homens poderiam estar armados. Pior: e se planejavam um novo ataque? O texto era claro - o melhor era ninguém sair de casa.
Sobrevivente da chacina, que completa um mês hoje, uma estudante de 16 anos olhou o celular assim que acordou e se pôs a chorar. A mensagem era falsa, mas quem estaria disposto a correr o risco? "Ela faltou à escola naquele dia e no dia seguinte. Eu não quis forçar. Para nós, adultos, foi muito difícil. Imagina para quem estava lá", diz a mãe, Juraci Borges, de 55 anos.
Desses acasos, Juraci fez aniversário no dia 13 de março e não pôde comemorar. Nessa data, dois ex-alunos - armados com um revólver calibre 38, dezenas de munições, uma besta e um machado - invadiram a Raul Brasil e assassinaram oito pessoas. Cercado pela polícia, um dos autores matou o outro e depois cometeu suicídio.
Embora exista um esforço para retomar aos poucos a atividade no colégio, pais e mães relatam uma rotina de traumas, aulas vagas e sensação de insegurança. Alguns alunos pediram transferência, outros vivem assustados - há quem prefira comer a merenda escondido no banheiro. Dois professores pediram licença. De 11 estudantes feridos, nove não voltaram.
Um grupo de pais chegou a se mobilizar em uma vaquinha para contratar um segurança particular para o colégio, mas depois desistiu da ideia.
"Ela preferiu continuar na escola por causa das amigas", diz Juraci. No ataque, a filha estava na cantina e pensou que haviam estourado uma "bombinha". Quando se virou, viu um dos atiradores, a arma na mão, vestindo uma máscara preta.
A jovem conseguiu correr e, aos tropeços, foi puxada por uma amiga para a sala de aula. O professor montou barricada e mandou todos deitarem, sem fazer barulho. "Foi Deus quem salvou minha filha", diz Juraci.
Segundo relata, nos primeiros 15 dias a filha só conseguia dormir se estivesse acompanhada. Também se assusta com barulhos (uma porta batendo) e não vai mais sozinha à escola. "Essas crianças vão demorar muito para se recuperar."
Mãe de outra estudante, Regiane Oliveira diz que a filha já passou por três psicólogos. "Está tomando antidepressivo e calmante. Tem dificuldade para dormir e se alimentar."
Tentando escapar dos tiros, a garota caiu e acabou pisoteada por colegas. Ela sofreu lesões no rim, passou por cirurgia e ficou internada em estado grave. Ainda não retornou à escola.
Trauma
A aposentada Maria da Conceição Nascimento, de 68 anos, estudou na Raul Brasil na década de 1960. "Era maravilhoso. Você vê aquele muro bem alto agora, mas na minha época era uma muretinha", diz. "Ninguém ficava com medo."
Matriculado no Espanhol, seu neto, de 15 anos, só pisou de novo por lá para buscar seu material. "Ele diz que não volta nunca mais, não gosta nem de tocar no assunto", conta. "A segurança não mudou."
Lilian Lima, de 39 anos, é mãe de um jovem que fazia terapia antes da tragédia. "Ele regrediu, voltou a roer unha, a manifestar TOCs (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Toda lembrança, choramos juntos", conta. "Meu filho teve de pular corpos no chão. Ele disse que nunca mais ia esquecer o rosto do menino baleado." Neste mês, foi difícil receber auxílio psicológico: "Só conseguimos terapeutas voluntários".
Cobranças
Organizados pelo WhatsApp, ela e outros pais cobram medidas do Estado. Por conta própria, também estão juntando dinheiro para pagar uniformes e carteiras de identificação - uma tentativa para evitar a entrada de estranhos. "O controle de acesso ainda está falho", diz Fábio Vilela, pai de um aluno.
Pessoas ligadas à Raul Brasil afirmam que dificilmente a tragédia seria evitada mesmo com maior controle de entrada - os atiradores eram ex-alunos.
Até agora, a investigação da Polícia Civil e do Ministério Público levou à apreensão de um terceiro jovem, acusado de participar do planejamento, e à prisão temporária de três homens, suspeitos de negociar as armas. Responsável pelo inquérito, o delegado Alexandre Dias diz que a prevenção começa em casa: "A família deve ficar atenta aos filhos e perceber qualquer conduta fora da normalidade". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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