Um ano após a crise que quase fechou as portas do hospital do Gacc (Grupo de Assistência à Criança com Câncer) em São José dos Campos, a presidente da entidade, Rosemary Sanz, fala sobre como conseguiu reerguer a instituição e continuar a atender mais de 500 pacientes por ano na RMVale.
O Gacc foi fundado em 14 de novembro de 1995 com a finalidade de criar um grupo de voluntários que auxiliasse no combate ao câncer da criança e adolescente em São José. O projeto cresceu e, em 2007, foi inaugurado a primeira fase do hospital, que recebeu o nome CTFM (Centro de Tratamento Infanto Juvenil) Fabiana Macedo de Morais.
Em busca da qualidade, se tornou referência para o tratamento de câncer infanto-juvenil, o que elevou os custos e instaurou em 2013 uma crise na instituição.
"Em 2012 tivermos o dobro de atendimentos que costumávamos ter e isso continuou em 2013. Contudo, o valor mandado pelo SUS continuava o mesmo, fora alguns incentivos que vinham da Secretaria de Saúde que em 2012 deixaram de vir. Com essa defasagem entre o aumento de assistência e o subfinanciamento, a gente quase fechou o hospital. Em 2012 o déficit atingiu mais de R$ 1 milhão", conta Rosemary.
Segundo a presidente, somente neste ano o hospital se estabilizou, mas ainda precisa de ajuda. "Desde fevereiro começaram a vir os recursos que a gente buscou junto ao governo federal, no Ministério da Saúde, e recursos de emendas de deputados estaduais. Ainda precisamos e muito dos doadores. Hoje 30% do hospital é mantido pelo SUS, 30% pelos convênios e 40% por seus doadores", explica.
O Meon visitou o hospital do Gacc em São José dos Campos e conversou com Rosemary sobre o recomeço do único hospital de referência para o tratamento de crianças e adolescente com câncer na região. Leia os principais trechos.
O que houve com o Gacc depois da crise vivida em 2013?
Com a crise, a gente começou a se mobilizar e a mostrar para a população que o tratamento de câncer é extremamente longo, caro, que os valores repassados pela tabela SUS correspondem só a 30 % do que custa o tratamento e que o paciente não pode esperar. Para a nossa surpresa, as pessoas realmente abraçaram o hospital. Tivemos primeiro a ajuda da PIB (Primeira Igreja Batista), na pessoa do pastor Carlito Paes, que veio conhecer e colocou a igreja à nossa disposição. Ele começou uma sensibilização na igreja. Depois tivemos também a ajuda dos empreendedores do Vale Sul Shopping. Eles conheceram o hospital e decidiram liderar uma campanha para trazer várias empresas para serem mantenedoras e contribuir todo mês para garantir o tratamento de mais de 500 crianças e jovens com câncer. Antes da campanha, tínhamos três empresas doando, e no final da campanha, eram 40 empresários doando mensalmente. Neste ano já conseguimos um incentivo do Ministério da Saúde também, mas no ano passado foram os empresários que mantiveram o Gaac aberto.
Como é gerenciar um hospital como o Gacc?
O Gaac custa R$ 1,4 milhão por mês. A criança que fica na nossa UTI custa R$ 2,2 mil por dia, por leito. O SUS repassa R$ 418. Então, só a UTI já consome muito. O leito normal varia muito, mas fica na faixa de R$ 700 por dia, e o repasse também é menor, algo em torno de R$ 700 por três dias. Quando falamos de valores, a gente tem que explicar que R$ 80 mil, que veio, por exemplo, em emendas parlamentares, não é nada. Temos medicamentos que a criança toma diariamente por causa da quimioterapia, que é muito agressiva, que custam R$ 600 cada frasco. Então o tratamento para só uma criança, de sete dias, chega a R$ 12 mil. Cada paciente se trata em torno de seis anos. São dois anos, em média, de tratamento quimioterápico mais cinco anos de tratamento de manutenção. Só depois de cinco anos que estão fazendo exames e a doença não aparece mais, que entram para a lista de curados. Ainda sim, curados a gente acompanha se ele está estudando, se conseguiu trabalho, se está lidando bem com seu dia a dia, tudo isso acompanhamos aqui.
Como ficou o Gacc depois da campanha?
Hoje estamos na linha da navalha. Se um doador falhar ficaremos devendo porque não deixamos ninguém sem tratamento. O Gacc hoje continua ampliando o número de atendimentos. Já temos mais casos novos que no ano passado, aumentamos a demanda e estamos com as nossas receitas e despesas equilibradinhas, mais precisamos de mais doadores.
Qual o projeto daqui para frente?
O grande desafio é continuar mostrando para a sociedade, empresários e poder público que, ano a ano, o número de casos de câncer aumenta, a complexidade do tratamento aumenta, os custos também aumentam, os salários têm dissídios. O auxílio não pode ser pontual, só um ano, realmente a gente precisa das pessoas que estão doando mensalmente, mesmo quem pensa que doa um pouquinho, mas esse pouco faz a diferença. Precisamos que o empresário assuma sua responsabilidade social e o governo também, aprovando os projetos e realmente criando mecanismos para que possamos receber subsídios porque a tabela do SUS é inviável de se trabalhar.
Como você se sente depois de 20 anos à frente do Gacc?
O fato de ser voluntária do hospital do Gacc e fazer parte da equipe que abraçou a missão de fazer a diferença na vida de crianças e adolescentes que precisam de tratamento para mim é um presente de Deus. Assim como ver esse grupo se tornar mantenedor de um hospital com esse desafio financeiro enorme, a gente olhando para trás, vejo que Deus me presenteou com uma grande oportunidade de fazer parte de algo especial. Tudo isso torna o trabalho diferente e, principalmente, recompensador. As crianças e os adolescentes me ensinam todos os dias os exemplos de garra, de resiliência, de recuperação.
Como concilia família e o trabalho no hospital?
Desde que fundamos o Gacc com outros seis voluntários, sempre me dediquei bastante. Acredito que se eu for assumir alguma coisa, por mais simples que seja, tenho que me dedicar e fazer bem feito. Sempre me dediquei muito. Quando o hospital inaugurou, que vi que não conseguia conciliar meu lado profissional com o voluntário, decidi deixar o trabalho e fiquei só no Gacc. Mas foi Deus que me deu essa oportunidade de ficar só aqui.
Como sua família vê essa dedicação integral ao hospital?
A minha família participa 100% da vida do Gacc porque se não participasse iria reclamar muito e ficar sem mim. Não ia ter mais marido (risos). Sinceramente, não pude ficar tanto tempo perto do meu segundo filho, que nasceu junto com o Gaac há 19 anos. Eu tinha uma agenda puxada, mas ele sempre entendeu, sempre participou e se encanta e gosta da missão. Se eu e meu marido não estivéssemos juntos na mesma causa, com certeza não estaríamos mais casados.
Já pensou em desistir?
Já. Às vezes, as dificuldades parecem instransponíveis e, com isso, vem a perda de uma criança, vem um óbito e você vê, depois de tanta luta, a família passar por esse sofrimento indescritível, que não tem nem um nome. Quando você perde o pai ou a mãe você fica órfão, quando perde o marido ou a mulher, fica viúvo, mas quando perde o filho nem nome tem. Com isso, algumas vezes pensei em desistir mas, como Deus não faz nada solto, sempre quando penso em desistir coloca uma família, um agradecimento, um abraço, uma palavra daquelas pessoas que perderam seu filho e dizem: "olha continua porque outros vão precisar de você". Isso me motiva a continuar.
Qual seu maior sonho?
O meu maior sonho, além de ver o Gacc crescer, é ver meus filhos formados e realizados dentro do trabalho deles, que estão começando a construir agora as suas carreiras. Quero que sejam muito felizes, que consigam alcançar o sonho deles e sejam mais felizes ainda.
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