No final de fevereiro, o Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege) concluiu um levantamento pioneiro que mostrou que 83% dos presos injustamente por reconhecimento fotográfico no Brasil são negros.
O estudo lançou dúvidas sobre os catálogos de suspeitos conservados nas delegacias pelo País e escancarou que as falhas no reconhecimento por fotografias têm levado cidadãos inocentes de um perfil específico para a cadeia.
O cenário, no entanto, já estava no radar da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) desde 2019. Na época, pessoas acusadas injustamente a partir do procedimento começaram a buscar assistência da entidade.
"Começaram a chegar alguns casos de reconhecimento por fotografia em que a gente constatava que haviam irregularidades e vícios. Na medida em que esses casos iam se tornando públicos, outros iam aparecendo", conta ao Estadão o advogado Álvaro Quintão, que preside a comissão da OAB.
Desde meados do ano passado, o grupo começou a trabalhar com criminalistas e juristas em um projeto de lei para impedir que o reconhecimento fotográfico seja a única prova para justificar uma prisão ou condenação. A ideia é que artigos do Código de Processo Penal sejam alterados para listar expressamente a proibição.
"O projeto de lei se tornou a única alternativa, porque a legislação não é clara: ela não tem a previsão do reconhecimento por fotografias, mas tem a previsão de mostrar para as vítimas pessoas que possam ter cometido os crimes. Estão usando essa previsão como sendo possível apenas a fotografia para concluir a autoria ou não de determinados crimes. Há necessidade de outras investigações, há necessidade de comprovação", explica Quintão.
O texto foi protocolado na Câmara na última quarta, 17, com assinaturas dos deputados Benedita da Silva (PT-RJ), Maria do Rosário (PT-RS), Taliria Petrone (PSOL-RJ) e Glauber Braga (PSOL-RJ) e apoio, além de suas respectivas bancadas, de parlamentares do PCdoB, PDT, PV, PSD, PDSB e PP.
"Tal expediente fomenta a seletividade que retroalimenta a persecução penal, na medida em que os álbuns de fotografias, responsáveis pela formação de falsas memórias, são compostos por sujeitos estereotipados e vulneráveis. É dizer: cotidianamente, a Agência Judicial, motivada exclusivamente pela reprodução fotográfica, realizada em sede policial, promove o encarceramento de inocentes, em sua maioria jovens, negros e pobres", diz um trecho da minuta.
Para ser votado no plenário, o projeto precisa antes ser aprovado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que nesse caso encaminha o texto para análise em comissão. É o grupo quem elabora a versão final e vota internamente antes de submetê-la ao colegiado.
Além do PL, a Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da seccional fluminense da OAB do Rio abriu uma segunda fase de trabalhos com o objetivo de elaborar protocolos a serem seguidos pelas delegacias para a montagem dos catálogos de fotografias conservados nas unidades policiais. O assunto está sendo discutido com especialistas e procuradores do Ministério Público do Estado.
"Agora nós estamos preparando um protocolo para apresentar, em um primeiro momento, às Secretaria de Segurança Pública e de Polícia. A ideia é criar um procedimento para esse tipo de investigação, para esse tipo montagem de catálogo, para que isso não fique a critério de cada policial, de cada delegado", conta Quintão.
Na conversa com o blog, o advogado lembrou do caso de um frentista que recebeu ordem de prisão, acusado de um crime cometido quando estava no trabalho, depois de ser reconhecido por fotografia incluída no catálogo da delegacia meses antes, quando foi conduzido por uma confusão em uma festa.
"Hoje não tem um critério, cada delegacia faz o seu catálogo seguindo sua própria regra. Existem pessoas que tiram fotos de redes sociais. Algumas delegacias tiram fotos depois que uma determinada pessoa é presa e colocam essa pessoa nesses catálogos. É urgente criar protocolos", defende o advogado.
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