SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Programas destinados ao aperfeiçoamento da democracia desapareceram do Orçamento da União, e ações com essa finalidade foram esvaziadas no governo Jair Bolsonaro.
A mudança nas iniciativas da Presidência começou a ser desenhada na elaboração do primeiro PPA (Plano Plurianual) sob a responsabilidade da atual gestão. O PPA é um documento que define diretrizes da administração federal para um período de quatro anos.
O plano engloba períodos de gestões distintas. O atual diz respeito aos anos de 2020 a 2023; o último ano do mandato de Bolsonaro é 2022.
A palavra "democracia" desapareceu do PPA 2020-2023. No plano anterior, para 2016-2019, apareceu 19 vezes.
Procurado, o Planalto delegou ao Ministério da Economia uma resposta sobre as mudanças. A pasta de Paulo Guedes afirmou, em nota, que o conteúdo dos programas "não foi propriamente extinto", que os programas do PPA foram reformulados em razão de mudança de metodologia e que agora há mais "realismo fiscal". O ministério não explicou por que ações foram extintas ou esvaziadas."
O PPA lista os programas finalísticos da administração federal e detalha indicadores para esses programas, ou seja: especifica o que as iniciativas vão contemplar caso a política pública prevista seja levada adiante. Também detalha objetivos e metas a serem alcançados ao fim de quatro anos.
Nos planos elaborados antes da chegada de Bolsonaro ao Planalto, dois programas funcionavam com a finalidade de aperfeiçoar o sistema democrático: "Democracia e aperfeiçoamento da gestão pública" e "Comunicações para o desenvolvimento, a inclusão e a democracia". Eram replicados no Orçamento da União, com ações sob a responsabilidade de diferentes órgãos do governo.
Os dois eixos deixaram de existir tanto no PPA 2020-2023 quanto nos Orçamentos de 2020 e de 2021.
Os indicadores do primeiro programa, expressos nos documentos do PPA 2016-2019, eram a participação de negros e mulheres no Executivo e a média de acessos à informação pública por meio da Lei de Acesso, entre outros.
Nos indicadores do segundo havia o número de brasileiros com acesso à internet e o percentual de escolas públicas com internet banda larga.
No Orçamento de 2018, só a Presidência tinha R$ 213,2 milhões para gastos ligados a democracia e aperfeiçoamento da gestão pública.
No primeiro ano do governo Bolsonaro, o Orçamento de 2019 --elaborado no último ano da gestão Temer (MDB)-- previa R$ 227 milhões. O programa sumiu a partir do Orçamento de 2020.
Já o programa com gastos na Presidência para comunicação e democracia tinha R$ 96,5 milhões em 2018 e R$ 88,9 milhões em 2019. O valor foi zerado em 2020 e na proposta do Orçamento de 2021 levada ao Congresso, que deve ser votada em fevereiro.
Com o desaparecimento dos programas, algumas ações abrigadas na Presidência também desapareceram. São os casos de capacitação para participação social e relações institucionais do governo.
A primeira ação perdeu sentido depois do esvaziamento que o governo Bolsonaro promoveu em conselhos e colegiados com participação social e popular --essa sempre foi uma bandeira do presidente.
Em 2018, a capacitação para participação social contava com R$ 8,3 milhões no Orçamento. No ano seguinte, foram R$ 6,3 milhões. Já o gerenciamento de relações institucionais do governo tinha R$ 1,6 milhão previsto em 2018 e R$ 1,1 milhão em 2019.
A maior parte das ações vinculadas aos dois programas segue existindo, abrigada em outros projetos. Mas, em parte expressiva dessas ações, há menos previsão de recursos e menos gastos efetivos nos anos do governo Bolsonaro.
Formação e desenvolvimento de pessoal, por exemplo, tinha R$ 3,2 milhões no Orçamento de 2018. Pelos dados de execução orçamentária alimentados pela CGU (Controladoria-Geral da União) no Portal da Transparência, R$ 3 milhões chegaram a ser efetivamente pagos.
Em 2020, o Orçamento previu só R$ 136 mil. Foi pago R$ 1,3 milhão, graças a restos a pagar pendentes.
A implementação de uma agenda ambiental na administração pública, antes vinculada a um dos programas de aperfeiçoamento da democracia, segue existindo no Orçamento. Mas, neste ano, nada tinha sido gasto até 14 de dezembro. Em 2021, o projeto de Orçamento prevê R$ 5.100.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) perderam consideráveis montantes de recursos com a eliminação do programa de democracia e aperfeiçoamento da gestão.
A ação de pesquisas e estudos estatísticos do IBGE contava com R$ 38,1 milhões em 2018; R$ 37,5 milhões foram efetivamente pagos. Neste ano, o Orçamento previu R$ 18,8 milhões e, até o dia 14, foram pagos R$ 16,2 milhões. Para 2021, o projeto de Orçamento registra uma previsão de R$ 14,2 milhões.
No Ipea, há menos dinheiro para diagnósticos e estratégias do desenvolvimento brasileiro (de R$ 2 milhões em 2018 para R$ 483 mil em 2021) e para bolsas voltadas à pesquisa econômica (R$ 8,9 milhões em 2018, R$ 4,1 milhões em 2020 e R$ 4,1 milhões em 2021).
Nos dois primeiros anos de gestão, o governo Bolsonaro emitiu diversos sinais de pouco apreço pela democracia.
O presidente é defensor da ditadura militar (1964-1985) e institui uma pauta antiambiental; participou de atos antidemocráticos promovidos por seus apoiadores, investigados em inquérito do Supremo Tribunal Federal; faz sistemáticos ataques à imprensa e está em constante rota de colisão com líderes do Congresso e ministros do STF.
A reportagem enviou email com perguntas sobre as mudanças efetuadas no PPA e nos Orçamentos da União ao Ministério da Economia, à Casa Civil da Presidência, à Secretaria-Geral da Presidência e à Secretaria de Comunicação Social. Coube à Economia responder.
Segundo o ministério, o conteúdo dos dois programas extintos foi incorporado por outros sete programas. Isso se deveu a "alterações metodológicas" na elaboração do PPA, disse.
"O PPA 2016-2019 era composto por programas temáticos. Já o PPA 2020-2023 é composto por programas finalísticos. Cada programa finalístico visa a enfrentar apenas um problema da sociedade ou aproveitar uma oportunidade para o país", afirma a nota. O atual PPA tem mais programas que o anterior, segundo o ministério.
A pasta cita quatro "aprimoramentos metodológicos" adotados pelo governo no PPA: simplificação; "realismo fiscal", diante do "cenário atual em que se observa o teto de gasto"; resgate de um "modelo lógico"; e maior integração entre planejamento e avaliação, de forma a aprimorar a qualidade do gasto público.
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