SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Leitores de Sylvia Plath recebem o lançamento de "Johnny Panic e a Bíblia dos Sonhos" com alegria, pois a coletânea apresenta 31 textos inéditos no Brasil. São contos, trechos de diários e ensaios escritos entre 1949 e 1963.
Contudo, vale considerar que o volume reúne parte da produção da escritora entre seus 17 e 30 anos, assim, alguns textos apresentam uma voz narrativa atenta aos detalhes, contraditória, um tanto ácida e insegura -captada pela tradução de Ana Guadalupe- que nos lembra a de Esther Greenwood, em "A Redoma de Vidro", mas também acompanhamos o caminho percorrido pela autora até alcançá-la.
A recepção da obra de Plath é influenciada por fatos biográficos como a morte de seu pai, suas internações em clínicas psiquiátricas e seu suicídio aos 30 anos. No entanto, o trabalho de descrição e criação de imagens em sua prosa e poesia são marcantes e nem sempre recebem o destaque merecido.
Os textos reunidos em "Johnny Panic e a Bíblia dos Sonhos" mostram como temas da autora foram retrabalhados várias vezes até atingirem a precisão alcançada no romance e em "Ariel".
Contos como "O domingo dos Minton", "As filhas de Blossom Street" e "Iniciação" perdem um pouco do impacto por se alongarem ou recorrem a fórmulas de escrita criativa, mas tem bons momentos em que as personagens refletem sobre como o mundo pode ser hostil com quem não se adéqua às expectativas sociais.
No ensaio "América! América!" a escritora trata de sua experiência como descendente de imigrantes -seu pai, Otto Plath, era um biólogo alemão que foi para os Estados Unidos em 1900. Lembranças de Boston e da escola pública se misturam a uma crítica ao país como terra de liberdades e oportunidades limitadas.
Em "Oceano 1212-W", a memória da infância e da relação com o mar são o ponto de partida para falar da sensação de pertencimento perdida. Outro destaque é "Contexto" uma breve reflexão sobre como a escritora vê as diferenças entre o romance e o poema.
É difícil não pensar na biografia de Plath ao ler "Mães" e "Blitz de neve", em que as protagonistas são mulheres jovens lidando com filhos, o cansaço e o isolamento na Inglaterra.
Contudo, a importância da criatividade e da imaginação para a autora ficam claras em "O domingo dos Minton" e a "A caixinha de desejos," que além de abordarem a frustração de uma mulher por não ter sonhos criativos, desenham uma tensão entre os cônjuges feita de silêncios e expectativas dentro do casamento, que reaparece num outro grau em "O quinquagésimo nono urso".
O conto "Johnny Panic" mostra a habilidade de Plath com as imagens na descrição de sonhos e como contadora de histórias, ao criar uma tensão no limite tênue entre o que entendemos por sanidade e loucura.
A sensação de irregularidade dos textos e de variação na maturidade da escritora se deve muito à decisão editorial de Ted Hughes (1930-1998) de não colocar os textos em ordem cronológica. Sua introdução não indica critérios estéticos para definir os "melhores contos".
A apresentação de Margaret Atwood, no entanto, oferece outros caminhos ao mostrar que mesmo textos para revistas femininas, anteriores à popularização movimento de liberação feminina, já mostravam um tom crítico em relação ao trabalho doméstico e às dinâmicas entre homens e mulheres.
Atwood destaca que, embora vários destes textos não tenham sido escritos para a publicação em livro, ainda assim eles são capazes surpreender leitores.
*É tradutora e poeta. Recebeu o prêmio Cepe de literatura por "Talvez Precisemos de um Nome para Isso", de 2019
JOHNNY PANIC E A BÍBLIA DE SONHOS E OUTROS TEXTOS EM PROSA
Preço: R$ 59,90 (464 págs.)
Autor: Sylvia Plath
Editora: Biblioteca Azul
Tradução: Ana Guadalupe
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