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Biden monta gabinete moderado com diversidade na superfície para neutralizar críticas da esquerda

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Joe Biden fez um minucioso cálculo político nas primeiras indicações para o alto escalão de seu governo. Com mulheres, uma delas negra, e um latino à frente de postos importantes, tentou equilibrar um gabinete de composição historicamente diversa com nomes veteranos do establishment americano.

Anunciadas formalmente nesta terça-feira (24), as escolhas são um inegável aceno à diversidade e até agora têm sido bem recebidas pela esquerda do Partido Democrata. Mas, ao mesmo tempo, marcaram a opção pragmática de Biden por pessoas experientes e com posições moderadas, sinalizando que é preciso cautela antes de cravar que a inovação na superfície dominará também políticas mais profundas de seu governo.

No discurso desta terça, Biden deu destaque ao ineditismo do novo gabinete, sem deixar de jogar luz à bagagem profissional dos nomeados, que optaram por falas mais genéricas, sem novas promessas.

Ao contrário do Brasil, as indicações para o primeiro escalão nos EUA precisam ser aprovadas pelo Senado e ainda não está claro qual partido terá a maioria da Casa que define a amplitude do poder do presidente.

Até agora, democratas têm 48 das 100 cadeiras, ante 50 dos republicanos, mas dois assentos seguem em jogo na Geórgia, onde o segundo turno acontece no início de janeiro --o voto de minerva, caso haja empate no total do plenário, ficaria com a vice-presidente eleita, Kamala Harris.

Apesar dos acenos que fez aos progressistas durante a campanha, Biden é um político centrista e sabe que, caso escolhesse nomes muito à esquerda para seu gabinete, correria o risco de enfrentar ainda mais resistência dos senadores --inclusive do establishment de seu próprio partido.

Para cumprir o compromisso de retomar a normalidade dos EUA, sem os sobressaltos e surpresas que viraram hábito sob Donald Trump, Biden anunciou para postos-chave em política externa e segurança nacional pessoas que atuaram na gestão de Barack Obama --o governo do primeiro negro a presidir os EUA, porém, não agradou completamente à esquerda americana, que rechaçou sua política de guerra, sua relação com investidores e altos índices de deportação de imigrantes.

Para tentar neutralizar possíveis críticas, Biden deu cara diversa aos indicados, além de destaque ao combate às mudanças climáticas, assunto caro para os progressistas. O presidente eleito escolheu ainda Ron Klain para sua chefia de gabinete --a nomeação para este cargo não precisa de aprovação do Congresso.

Klain é um político conhecido das fileiras democratas, com bom trânsito entre as vertentes do partido e que promete dialogar com todas as áreas, numa espécie de ponte entre governo e a esquerda da sigla.

Durante o governo Obama, o chefe de gabinete, equivalente ao ministro-chefe da Casa Civil no Brasil, era Roham Emmanuel, responsabilizado pela esquerda por apoiar muito da política de guerra e por desestimular medidas mais arrojadas.

Ao contrário das outras indicações de Biden que, até agora, não tiveram grandes reações contrárias entre os progressistas, Emmanuel viu diversas manifestações reativas quando começou a circular a informação de que seu nome estava cotado para secretário do Transporte.

"Deixa isso pra lá", tuitou a deputada Illan Omar, que, ao lado de Alexandria Ocasio-Cortez, faz parte do chamado "esquadrão", time de parlamentares da ala jovem e progressista. "Roahm Emmanuel não deveria ser considerado para nenhum cargo no governo Biden", escreveu Jamaal Bowman, eleito deputado por Nova York neste ano, também na esteira à esquerda da legenda.

A esquerda democrata reagiu de forma positiva aos indicados, mas isso não significa que se contentará apenas com a promessa de diálogo.

Auxiliares do senador Bernie Sanders elogiaram a escolha do ex-secretário de Estado John Kerry como enviado especial para questões climáticas e a senadora Elizabeth Warren foi a público dizer que a escolhida para comandar o Tesouro era um quadro muito qualificado.

Por outro lado, AOC e Omar apoiaram petição contra a nomeação do ex-chefe de gabinete de Biden Bruce Reed para a chefia do escritório de Gestão e Orçamento, num indicativo de que não aceitarão perfis pouco alinhados com suas bandeiras e seguirão pressionando o governo por espaços oficiais, mesmo que no segundo e terceiro escalão.

Biden montou um primeiro escalão com Janet Yellen como a primeira mulher a comandar da Secretaria do Tesouro, enquanto Avril Haines será a primeira como diretora de Inteligência Nacional. Já Alejandro Mayorkas será o primeiro latino e imigrante a ocupar a chefia da Secretaria de Segurança Interna e Jake Sullivan, o mais jovem a assumir o posto de assessor de Segurança Nacional, aos 43 anos. Mulher e negra, a diplomata Linda Thomas-Grenfield ocupará o cargo de embaixadora dos EUA no ONU.

Como chefe da diplomacia, o novo secretário de Estado será Antony Blinken, descrito como centrista com viés intervencionista. Ex-conselheiro de Segurança Nacional de Biden quando ele era vice de Obama, defende alianças e cooperação internacional, mas tem suas digitais impressas em guerras desastrosas, como quando defendeu a intervenção militar na Líbia, em 2011, e foi favorável a uma ação militar direta americana na Síria.

Ex-secretário de Estado do governo Obama, John Kerry será o enviado especial para questões climáticas. Com ele, pela primeira vez um nome dedicado ao clima terá lugar no Conselho de Segurança Nacional, o que deve ser foco de atenção para o Brasil.

Durante a campanha, Kerry trabalhou com a equipe do senador Bernie Sanders e tem a missão de cumprir a promessa de Biden de fazer da questão do clima emergência nacional.

Há quem diga que Kerry é diplomático e não deve entrar em choque com o governo brasileiro num primeiro momento, mas os mais céticos afirmam que ele precisará mostrar serviço e, caso não consiga grandes avanços internamente, mirar um vilão externo pode ser uma saída bastante inteligente.

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