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Partida de embaixador amigo de Bolsonaro sinaliza mudança na relação com Israel

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um dos embaixadores estrangeiros mais próximos do presidente Jair Bolsonaro, o israelense Yossi Shelley anunciou nesta quarta (24) que está deixando o posto.

"Após quatro anos de trabalho intenso, posso dizer que me sinto de coração parte deste imenso e lindo país", escreveu Shelley em uma rede social.

Ele postou fotos de homenagens que recebeu do Itamaraty e da família do presidente, numa demonstração de sua proximidade com o atual governo.

Shelley foi condecorado pelo ministro Ernesto Araújo com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, principal honraria concedida pelo Brasil a personalidades estrangeiras.

Presente à homenagem estava também o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), de quem o embaixador recebeu uma garrafa de vinho "Bolsonaro - Il Mito", um Cabernet Sauvignon feito por produtores da Serra Gaúcha em homenagem ao presidente.

Em sua mensagem de despedida, o embaixador agradeceu "por ter sido tão bem recebido pelo povo brasileiro e pela amizade e parceria com o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, sua família e todos os que estiveram ao meu lado durante esta incrível jornada".

"Como a vida é feita de ciclos, é chegada a hora de encerrar este ciclo que muito me orgulha", afirmou ele, que foi nomeado em 2017, ainda no governo de Michel Temer (MDB).

Shelley tornou-se amigo de Bolsonaro após sua eleição. Sua partida marca o fim de um período em que a relação pessoal entre embaixador e presidente foi componente importante da aliança política do Brasil com o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu.

Empresário e ex-dirigente do partido Likud, de Netanyahu, Shelley será substituído por Danny Zonshine no cargo de embaixador. O representante que entra e o que sai não poderiam ser mais distintos, tanto em origem como estilo.

Para começar, Zonshine é um diplomata de carreira, que já ocupou cargos de direção no Ministério das Relações Exteriores de Israel e esteve em postos importantes, como a embaixada em Mianmar e o consulado em Mumbai (Índia).

Em 2001, ele serviu como conselheiro político da embaixada israelense em Brasília e tem domínio mediano do idioma português.

Além disso, Zonshine é mais discreto que Shelley, o que não é algo difícil. O atual embaixador ficou conhecido nos meios diplomáticos brasilienses pelo estilo sem rodeios, expondo livremente sua proximidade com Bolsonaro em redes sociais.

Um dos episódios mais conhecidos dessa relação foi o "lagostagate", quando publicou uma foto com Bolsonaro enquanto almoçavam o crustáceo em julho de 2019.

A imagem foi borrada de maneira amadora na foto, numa tentativa mal-sucedida de não ofender judeus ortodoxos, para quem o consumo do animal é vetado. Mas o estrago estava feito.

No mesmo ano, também acompanhou o presidente em jogos de futebol e participou com ele da Marcha Para Jesus, principal evento evangélico do país, em São Paulo.

Tanta intimidade acabou incomodando grande parte da comunidade judaica brasileira, por transmitir a ideia equivocada de alinhamento automático dela com o presidente.

Sempre que criticado, Shelley dizia que a relação com Bolsonaro era uma amizade genuína, com o benefício adicional de cimentar a aliança entre os dois países e ajudar nas relações bilaterais, não apenas as econômicas.

Um exemplo de efeito prático da proximidade entre os países ocorreu no desastre de Brumadinho (MG), em janeiro de 2019, quando Israel mandou uma equipe especializada em resgates para ajudar na tentativa de resgatar corpos e sobreviventes.

Procurado pela reportagem, Shelley não se manifestou. Já a embaixada disse apenas que a troca é um movimento normal, uma vez que a missão diplomática dele chegou ao fim, após quatro anos.

Para Michel Gherman, diretor acadêmico do Instituto Brasil-Israel, a troca de comando na embaixada sinaliza para um novo formato na relação entre os dois países.

"O futuro embaixador provavelmente dará um caráter mais estruturado à relação diplomática, até porque é um profissional de carreira", afirmou.

Segundo ele, a mudança ocorre em um momento de reposicionamento de Netanyahu no cenário político israelense. Político camaleônico, que se mantém no poder há 12 anos, ele disputa mais uma eleição em 23 de março.

Após um período de forte desgaste político, inclusive com ameaça de ser preso, Netanyahu ganhou fôlego interno na esteira da bem-sucedida campanha de vacinação contra a Covid-19, que virou modelo para o mundo.

"Se em anos anteriores Netanyahu se associou a Trump e Bolsonaro, agora interessa a ele voltar às origens, como um político pragmático da direita conservadora", diz Gherman.

Uma associação menos direta com Bolsonaro, embora mantendo laços políticos, seria parte desse processo, o que inclui a troca do chefe da missão diplomática.

A indicação de um embaixador de carreira como Zonshine mostra a intenção de Netanyahu de que ele continue no cargo independentemente do resultado eleitoral. Já Shelley provavelmente seria removido caso a oposição vencesse a disputa.

Zonshine é considerado um diplomata habilidoso, que atuou para baixar a fervura em momentos tensos da relação entre Brasil e Israel durante governos do PT.

Em 2010, por exemplo, quando ocupava o cargo de diretor de Assuntos Públicos do Ministério das Relações Exteriores de Israel, afirmou, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha o direito de dar opiniões favoráveis sobre o Irã, país que tem Israel como inimigo.

"Ele [Lula] tem o direito de dar a opinião dele, mas acho difícil que consiga convencer o governo israelense de seu ponto de vista. Somos nós [Israel] que estamos no Oriente Médio e somos ameaçados pelo Irã", afirmou Zonshine, na ocasião.

Não há data ainda para que a troca seja efetivada, porque isso depende da aceitação do nome do novo diplomata pelo Itamaraty. Não deve haver problemas sobre isso, no entanto.

Quanto a Shelley, ainda não foi anunciado seu futuro. A hipótese mais provável é que ele retorne ao setor privado e às atividades políticas como aliado de Netanyahu.

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