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Na Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, Putin já é o 'vencedor' da Copa do Mundo

Minutos depois de a Rússia vencer a Espanha nos pênaltis, imagens do presidente Vladimir Putin circulavam pela internet russa. Nelas, o czar do Kremlin ordenava: "dê um pedaço da Ucrânia para o goleiro russo". Na Crimeia, alvo de uma das piores crises desde o fim da Guerra Fria, a imagem nos celulares passava de mão em mão entre torcedores que, entre gargalhadas, não evitavam comentar que o resultado inesperado da seleção e o êxito até agora da Copa do Mundo já tinha um vencedor: Vladimir Putin.

Não é segredo que o Mundial cumpre uma função de reforçar um sentimento patriótico na Rússia, mesmo que acompanhado por censura e violações de direitos de opositores. Mas, na Crimeia, isso foi acompanhado por um amplo esforço das autoridades em garantir que a nova região sentisse todos os benefícios de fazer parte de um país sede da Copa.

Em uma praça central de Sebastopol, milhares de pessoas comemoraram neste domingo a vitória contra a Espanha, enquanto torcedores e políticos locais insistiam que o resultado aprofundaria o sentimento de lealdade da região com Moscou. "Uma vitória dessas é o que ajuda a unir um país", comentou o prefeito de Sebastopol, Dmitry Ovsyannikov, ainda atordoado pelas comemorações. Membro do mesmo partido de Vladimir Putin, o político local se apressou em transformar a classificação em uma conquista política. "O povo de Sebastopol mostrou hoje (domingo) que a Crimeia é Rússia".

Enquanto ele falava, uma carreata se formava pelas ruas estreitas do porto, com bandeiras e um só grito sob um território que, até 2014, era ucraniano: "Rússia, Rússia, Rússia".

A tarde na Crimeia havia começado com enormes doses de cautela. Mas sempre com um forte tom político. "Vamos apoiar nossa seleção. Crimeia também é Rússia", dizia o locutor de uma Fan Fest improvisada na cidade de Sebastopol. Ele, assim como todos os torcedores que lotavam uma praça à beira mar, sabia que apoiar a seleção da Rússia não era só uma questão esportiva.

"Um jogo como esse une mais a população que 40 anos de propaganda oficial", comentou Larissa Koslova, moradora de Sebastopol, funcionária do exército russo e que, neste domingo, fazia tremular a bandeira russa.

Em um dos cantos da praça, um serviço oferecia fazer fotos dos torcedores diante de uma imensa bandeira russa e que dizia: "A Crimeia é nossa". Em 2014, a anexação da Crimeia pela Rússia ocorreu depois que Vladimir Putin promoveu um referendo popular na região. Nas semanas que antecederam à votação, porém, entidades internacionais denunciaram o estabelecimento de um enorme dispositivo militar, com a campanha do "não" à anexação praticamente enterrada.

Nem a condenação internacional contra a anexação ou as sanções fizeram o Kremlin desistir. Hoje, porém, quem questionar publicamente a legalidade da anexação é detido e pode ser condenado a cinco anos de prisão. A reportagem percorreu por dois dias quase uma dezena de cidades da península e, todas as vezes que iniciava uma conversa sobre o impacto da anexação, os entrevistados pediam para não comentar ou abaixavam a voz para sussurrar.

A mais hesitante era a população tatar, considerada a mais prejudicada diante da anexação. "Eu não era a favor. Mas a votação ocorreu de forma tão rápida que não houve tempo para uma resposta e mobilização", disse uma produtora de legumes em Ialta, que não podia dar seu nome, sob o risco de represálias.

Desde que assumiu a Crimeia, o governo russo fechou uma espécie de conselho de lideranças da população tatar, cortou o sinal de uma televisão do grupo étnico e deteve ativistas em diferentes ocasiões.

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