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Político tradicional, França usa anti-Doria e biruta ideológica

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No momento em que Márcio França chegava a um ato de campanha no centro de São Paulo, no dia 5, fazia cerca de duas horas da divulgação da pesquisa Datafolha que deu ao candidato do PSB 13% das intenções de voto, ante 10% da anterior.

No Sindicato dos Padeiros, o ex-governador era aguardado por um ansioso e saltitante Antonio Neto (PDT), que ocupa a vice na sua chapa.

Toninho, como o sindicalista é conhecido, correu na direção do parceiro assim que ele saiu do carro. "Tamo chegando!", disse, falando da expectativa de superar Guilherme Boulos (PSOL) e Celso Russomanno (Republicanos) e ganhar impulso rumo ao segundo turno contra o prefeito Bruno Covas (PSDB).

"Eu avisei, eu avisei", respondeu França, com um sorriso que misturava satisfação, cautela e uma pontinha de ceticismo. Experiente em batalhas eleitorais, o advogado de 57 anos nascido em Santos nem sequer planejava, até pouco tempo atrás, disputar a prefeitura da capital paulista.

A coisa mudou quando o ex-vereador e ex-prefeito de São Vicente, com base política na Baixada Santista virou governador por via indireta, em 2018, com a renúncia de Geraldo Alckmin (PSDB) para concorrer à Presidência.

Ao assumir o Palácio dos Bandeirantes em abril daquele ano, já pré-candidato à reeleição, França passou a antagonizar com João Doria (PSDB), a quem ajudara em 2016, quando o empresário neófito na política se sagrou prefeito da capital paulista em primeiro turno.

Em outubro de 2018, os dois travaram um duelo pela cadeira de governador que terminou com a vitória de Doria no estado, mas uma derrota humilhante na cidade que administrara por 15 meses.

Desconhecido da maioria do eleitorado, França usou o pleito para se projetar e colheu um feito: quase 1 milhão de votos a mais que o tucano na capital no segundo turno. Doria virou governador por margem apertada (52% a 48%), e o oponente viu cair em seu colo uma oportunidade.

Animal político, do tipo que brilha os olhos ao fazer campanha, ele decidiu capitalizar a imagem de "anti-Doria" e assumir a empreitada de tentar barrar a reeleição de Covas.

Hábil negociador --característica reconhecida até por adversários--, França sumiu da cena em 2019, ao mesmo tempo que entabulava conversas com potenciais aliados.

Obstáculos se impunham: ele não tinha uma relação exatamente próxima com a capital, e seu partido carecia de estrutura na cidade. Ademais, a onda de rejeição a políticos tradicionais acendia um alerta sobre suas chances.

Em março, França anunciou uma aliança nacional entre o PSB e o PDT do ex-presidenciável Ciro Gomes que passava por SP. A coligação ganharia mais tarde a presença do Solidariedade, do PMN e do Avante, garantindo o segundo maior tempo de TV.

A fama de político moderado e conciliador, que transita entre esquerda e direita, acabaria se tornando sua retórica de campanha, mas também um calcanhar de aquiles.

Logo que se consolidou o empate técnico nas pesquisas com Boulos, o ex-governador passou a ser tachado pelo líder de movimentos de moradia como símbolo da "direita do PSB", sigla de esquerda.

O curioso aqui é o contraste com 2018, quando Doria martelou a tese de que França seria comunista, em esforço para associá-lo ao socialismo e ao PT. "Márcio Cuba" foi o apelido criado na ocasião.

O estilo camaleônico é, até aqui, uma das marcas de sua campanha a prefeito.

O discurso anti-Doria que passou a acompanhá-lo com mais força desde 2018 ganhou contornos nacionais com a contraposição entre o governador paulista e Bolsonaro, tendo como pano de fundo a ambição do tucano de disputar a Presidência em 2022.

À Folha de S.Paulo, ainda na pré-campanha, França disse que sua vitória na capital sepultaria o sonho presidencial de Doria e que a derrota de Covas frearia o projeto maior do rival.

Nos sonhos do candidado do PSB, o pragmatismo levaria eleitores de esquerda a apostar nele para barrar a reeleição do tucano e o levaria a receber o voto do eleitorado conservador pró-Bolsonaro, que deseja ver Doria fora do caminho do presidente.

Em iniciativa controversa, França foi ao encontro de Bolsonaro em agosto, em São Vicente. Registrado em foto, o aperto de mãos lhe rendeu bordoadas da esquerda e pechas de traidor e oportunista.

Na versão de França, a conversa girou em torno da ajuda ao Líbano após uma explosão no porto de Beirute. Lúcia França, esposa do candidato, tem origens familiares no país, o que o levou a se engajar na campanha beneficente, ao lado de amigos como o presidente da Fiesp, Paulo Skaf.

Há poucos dias, França disse se considerar progressista, mas afirmou que aceita de bom grado o voto de quem apoiou Bolsonaro, embora não tenha "relação de afinidade" com o presidente.

Também voltou à tona nesta campanha --a 18ª em que França diz ter se envolvido, como postulante ou apoiador-- seu histórico de gestor.

O candidato sofre ressalvas de oponentes pelo comportamento centralizador e por governar de olho em questões paroquiais. Quando assumiu o governo após a gestão de nove meses do rival, Doria anulou contratos que superavam R$ 143 milhões sob argumento de que França beneficiara cidades de seu reduto eleitoral por interesse político.

Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, França adotou práticas de uso da máquina administrativa e iniciativas populistas que elevaram os gastos públicos. Enquanto se preparava para tentar a reeleição para o Bandeirantes, elevou a liberação de verbas para prefeituras e fez afagos ao funcionalismo.

Marcada pela pandemia, por eventos restritos e pela escassez de debates, a campanha de 2020 se aproxima do dia do 1º turno com o candidato do PSB comemorando a subida gradual nas pesquisas e a baixa rejeição (14%).

Mesmo sem sinais evidentes de um avanço seu na disputa, mantém a confiança --parte pela intuição aguçada, parte pela matemática. França gosta de exibir mapas com a votação em eleições anteriores, sabe números de cabeça e passa os dias calculando tendências e projeções.

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RAIO-X

Márcio Luiz França Gomes, 57

Formado em direito pela Universidade Católica de Santos, foi oficial de Justiça antes de entrar na política como vereador e duas vezes prefeito de São Vicente (1997-2004). Sempre filiado ao PSB, França foi deputado federal (2007-2015) e vice-governador de São Paulo (2015-2018), até assumir o Palácio dos Bandeirantes em abril de 2018, com a renúncia de Geraldo Alckmin.

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