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Biden ameaça impor sanções contra Mianmar enquanto debate se houve golpe de Estado

PENÁPOLIS, SP (FOLHAPRESS) - Enquanto o governo americano discute se a tomada de poder pelos militares em Mianmar nesta segunda-feira (1º) será considerada um golpe de Estado --o que resultaria em novas sanções contra o país asiático--, o general que assumiu o comando da nação depois de prender seus adversários civis afirmou, em seu primeiro pronunciamento no cargo, que o ponto a que o país chegou era inevitável.

"Apesar dos repetidos pedidos do Tatmadaw [Exército de Mianmar], este caminho foi inevitavelmente escolhido para o país", disse o general Min Aung Hlaing. "Até que o próximo governo seja formado após as próximas eleições, precisamos dirigir o país."

De acordo com o general, a organização de um novo pleito e o combate à pandemia de coronavírus serão as prioridades da junta militar que passou a liderar o país depois da declaração de estado de emergência por pelo menos um ano.

O golpe recebeu duras críticas da comunidade internacional. Líderes políticos de diversas nacionalidades pediram o restabelecimento do governo democraticamente eleito e a libertação de todos os presos civis. O governo brasileiro até o momento não se pronunciou sobre o caso.

O jornal Folha de S.Paulo pediu ao Ministério das Relações Exteriores um posicionamento, mas a pasta informou que a questão está sendo analisada pela área técnica e que não há um prazo para uma definição.

Entre os detidos pelos militares birmaneses estão a conselheira de Estado Aung San Suu Kyi, o presidente Win Myint e outras lideranças da Liga Nacional pela Democracia (LND), partido que venceu a eleição de novembro ao receber 83% dos votos.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, classificou a tomada de poder como um ataque direto à transição de Mianmar para a democracia.

"Trabalharemos com nossos parceiros em toda a região e em todo o mundo para apoiar a restauração da democracia e do Estado de Direito, bem como para responsabilizar os responsáveis pela reversão da transição democrática", disse o líder americano, em um comunicado nesta segunda.

Biden afirmou ainda que o povo birmanês "tem trabalhado firmemente para estabelecer eleições, governança civil e transferência pacífica de poder" e que "esse progresso deve ser respeitado".

"Os Estados Unidos retiraram as sanções à Birmânia [antigo nome de Mianmar] na última década com base no progresso em direção à democracia", continuou o presidente americano. "A reversão desse progresso exigirá uma revisão imediata de nossas leis de sanções, seguida de ação apropriada."

Antes de Biden, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, e o secretário de Estado, Antony Blinken, haviam expressado o posicionamento do governo americano, mas nenhum dos três se referiu à tomada de poder como um golpe de Estado.

A designação, no entanto, vai além de uma simples escolha de palavras, justamente porque pode ser um fator de decisão para a retomada das sanções mencionada por Biden.

De acordo com funcionários ouvidos pela imprensa americana sob anonimato, o setor jurídico do Departamento de Estado ainda está fazendo análises legais e factuais, mas os acontecimentos em Mianmar "têm todos os ingredientes" para serem considerados um golpe.

Não existe uma exigência legal para que os EUA declarem formalmente um golpe militar, mas o governo pode tomar essa decisão se considerá-la de interesse de segurança nacional.

Se isso ocorrer, a administração Biden também fica legalmente impedida de manter programas de assistência ao governo birmanês, mas poderá continuar enviando ajuda humanitária que, em tese, não passa pelas mãos dos militares.

Em seu perfil no Twitter, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) informou nesta segunda que está "monitorando e avaliando cuidadosamente os potenciais impactos [do posicionamento oficial dos EUA] sobre os programas da agência à medida que a situação evolui".

"A segurança de nossas equipes e parceiros são a nossa maior prioridade", continuou a USAID.

Junto com a União Europeia, os EUA impuseram sanções contra Mianmar pela primeira vez em 1997, em resposta a denúncias de violações de direitos humanos e ao não reconhecimento do resultado das eleições de 1990. À época, a LND venceu o primeiro pleito multipartidário em 30 anos mas foi impedida de assumir o poder, tomado pelos militares de 1962 a 2011.

Em 2019, o governo de Donald Trump impôs novas sanções contra o comandante das Forças Armadas de Mianmar, o mesmo general que agora assumiu o poder no país. Aung Hlaing e outras autoridades birmanesas ficaram proibidas de entrar nos EUA em resposta a violações de direitos humanos contra os rohingya, uma minoria muçulmana que se concentra no oeste do país.

A posição do governo Biden também pode acabar abrindo portas para o aumento da influência da China sobre Mianmar. Pequim já é a principal aliada regional dos birmaneses e, de acordo com o porta-voz da diplomacia chinesa, o regime de Xi Jinping está "em processo de entender melhor a situação" em Mianmar.

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Cronologia da história política de Mianmar

1948: Ex-colônia britânica, Mianmar se torna um país independente 1962: General Ne Win abole a Constituição de 1947 e instaura um regime militar 1974: Começa a vigorar a primeira Constituição pós-independência

1988: Repressão violenta a protestos contra o regime militar gera críticas internacionais

1990: Liga Nacional pela Democracia (LND), de oposição ao regime, vence primeira eleição multipartidária em 30 anos e é impedida de assumir o poder

1991: Aung San Suu Kyi, da LND, ganha o Nobel da Paz

1997: EUA e UE impõe sanções contra Mianmar por violações de direitos humanos e desrespeito aos resultados das eleições

2008: Assembleia aprova nova Constituição

2011: Thein Sein, general reformado, é eleito presidente e o regime militar é dissolvido

2015: LND conquista maioria nas duas Casas do Parlamento

2016: Htin Kyaw é eleito o primeiro presidente civil desde o golpe de 1962 e Suu Kyi assume como Conselheira de Estado, cargo equivalente ao de primeiro-ministro

2018: Kyaw renuncia e Win Myint assume a Presidência

2020: Em eleições parlamentares, LND recebe 83% dos votos e derrota partido pró-militar

2021: Militares alegam fraude no pleito, prendem lideranças da LND, e assumem o poder com novo golpe de Estado

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