Macaé (Clarice Falcão)
Ei, se eu tiver coragem de dizer que eu meio gosto de você
Você vai fugir a pé?
E se eu falar que você é tudo que eu sempre quis pra ser feliz
Você vai pro lado oposto ao que eu estiver?
Eu queria tanto que você não fugisse de mim
Mas se fosse eu, eu fugia
Ei, vai pegar mal se eu contar que eu imprimi
Todo o seu mapa astral?
Você foge assim que der, quando souber?
E se eu falar que eu decorei seu RG só pra se precisar
Você vai pra um chalé em Macaé?
Eu queria tanto que você não fugisse de mim
Mas se fosse eu, eu fugia
Ei, se eu falar foi por amor
Que eu invadi o seu computador
Você pega um avião?
E se eu falar de uma só vez
Como eu achei sua senha do cartão
Você foge pro Japão, esse verão?
Eu queria tanto que você não fugisse de mim
Mas se fosse eu, eu fugia
Ei, se eu contar como é que eu me senti
Ao grampear seu celular
Você vai numa DP?
E se eu mostrar o cianureto que eu comprei
Pra gente se matar
Você manda me prender no amanhecer?
Eu queria tanto que você não fugisse de mim.
Você com certeza conhece alguém que passa dos limites quando o sentimento é ciúme, e também deve conhecer pessoas que sofrem abusos emocionais por companheiros que sofrem deste transtorno.
Vamos conversar um pouco analisando tanto o ciumento, quanto o alvo do ciúme.
Nesta música da Clarice Falcão, ela de forma muito lúdica coloca exatamente o que o portador do ciúme faz: vai em um crescente de sentimentos, emoções e pensamentos até atingir atos absurdos, que transformam a vida do parceiro em um verdadeiro inferno.
Mas o que seria este transtorno? E por que seria um problema já que isso sempre foi romantizado como “só existe ciúme se existe amor”?
Do ponto de vista do ciumento:
1- O ciúme é considerado uma emoção trágica por que é a mistura de um amor intenso com um medo intenso.
2- Se baseia na sensação de que o relacionamento está ameaçado
3- É uma grande mistura de outros sentimentos/emoções como: ressentimento, desesperança, impotência, raiva, ansiedade.
4- Os pensamentos e sentimentos de ciúme sempre levam aos mesmos padrões de reação e de comportamento, como:
*interrogar
*procurar indícios de traição
*tentar controlar alguém
* infligir punições
*preocupar-se obsessivamente com uma possível traição
* ter medo de que aquilo que se teme seja concretizado caso aconteça a traição: humilhação, solidão, ter que se justificar para alguém.
Para aquele que sofre do transtorno é importante entender que esse sentimento vai em espiral, e se não for contido através de técnicas de ressignificação, pode atingir os exageros que a Clarice tão bem expõe.
Quando eu falo em técnicas de ressignificação estou falando de um processo psicoterapêutico que não fica na superfície da compreensão, afinal cada pessoa tem uma história que gerou sua forma de ver o mundo, história essa que montou seu inconsciente desde as memórias intrauterinas até hoje, tendo também um inconsciente familiar interferindo e moldando sua forma de se comportar nas mais diversas situações.
A isso tudo, mais uma parte extremamente pessoal, chamamos personalidade.
Não há uma fórmula pronta para mudar comportamentos, pq não existem pessoas com as mesmas informações inconscientes. O que existe são alguns padrões de comportamento, o que facilita quando alguém quer tentar mudanças sozinho, através de livros ou palestras.
É muito importante que o portador do transtorno perceba que “sentimentos não são fatos”, muitas das nossas intuições vem do medo da perda. E esse medo vem por exemplo de uma sensação de não ser suficiente para o ser amado, o que a qualquer momento vai gerar o abandono.
Em meu consultório vou trabalhar com esta pessoa a conquista de uma real autovalorização, onde perceba áreas de sua personalidade que realmente admire, e que possa servir de base para a construção de um estado interno de segurança e tranquilidade.
Como eu disse é uma construção. Não são meia dúzia de palavras hipnóticas que magicamente vai tirar alguém da sensação angustiante de perder aquilo que é responsável pelo ar que respira. Mas esse trabalho devolve a sensação de dignidade, conforme palavras de uma paciente.
Parar de romantizar o ciúme e entender que é problema sim, e é comum sim. Mas não significa que seja saudável.
O ponto de vista do companheiro:
1- Uma relação abusiva, que iniciou gradativamente e que chegou em níveis insustentáveis.
2- O amor foi transformado em angústia, em uma sensação de sufocamento.
3- As agressões verbais ou mesmo físicas tornaram-se constantes.
4- Muito comum que estas pessoas se envolvam com portadores do transtorno venham de lares onde um dos pais também era abusador, o que gerou crenças internas que o levaram a repetir situações parecidas. Afinal, o inconsciente busca repetir aquilo que não foi solucionado.
5- São pessoas que precisam se fortalecer para buscar a solução que garanta sua sanidade emocional ou física.
Ao analisarmos a personalidade de quem aceita a relação com o portador do transtorno vamos encontrar alguém que procura minimizar esta característica, se moldando, abandonando seu próprio espaço interno para que a relação não se transforme em um caos.
A pergunta é: até quando e a que preço?
É verdade que uma relação a dois exige que ambos estejam dispostos a fazer concessões em nome do equilíbrio do casal, mas é importante a clareza do que é extremamente importante para um que o outro não aceita.
E após anos trabalhando com casais, fica claro o quanto as pessoas se relacionam com imagens e não com parceiros reais, o que vai causar uma necessidade de adaptação extrema da realidade percebida com a idealização feita, e lá vem as justificativas que ninguém entende para manter esta relação viva mesmo que o preço seja alguém estilhaçado emocionalmente, gerando diversos sintomas psicossomáticos que lotam os consultórios de cardiologistas, gastros e ginecologistas, afinal o corpo sempre mostra o eu que o habita.
É comum após uma separação se ouvir com clareza opiniões sobre o/a ex-parceiro. Opiniões estas que muitas vezes foram ditas mas não registradas.
É uma relação de co-dependência, e ambos precisam de tratamento.
Em se tratando de relações de casal é fundamental o autoconhecimento, a observação da própria origem familiar (e /ou falta dela), já que estaremos sempre sendo influenciados por nossa história, e só nos envolveremos em situações saudáveis se formos emocionalmente saudáveis e capazes de perceber, e renunciar ao que no futuro será motivo de sofrimento.
Para saber mais:
- Mentes que amam demais, o jeito borderline de ser – dra Ana Beatriz, ed Principium Editorial
- A cura do ciúme: aprenda a confiar e supere a possessividade, Robert Leahy, ed Artmed
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