Por Meon Em Brasil & Mundo

Revoluções Musicais do Século XX: Hip Hop domina as ruas de Nova York e do mundo

Jovens negros, pobres e desempregados. Indivíduos de baixa escolaridade, jogados pelas ruas, apanhando da polícia, discriminados pelas classes dominantes. Homens desistindo da vida por não acreditarem num mundo justo e livre. Becos sujos e abandonados, drogas, violência. Muitos se apoiam na religião, outros ouvem música, dançam, pintam as paredes. Assim era o bairro do Bronx (Nova York), no começo dos anos 70, cenário de onde surgiu o movimento hip hop – termo constituído em 1978 pelo grupo Afrika Bambaataa, inspirado na dança mais apreciada na época, ou seja, saltar (hip) movendo os quadris (hop).

No século XX, até a década de 60, muitos estados americanos, especialmente os mais conservadores – situados ao sul do país, onde a escravidão foi mais praticada –, ainda mantinham leis segregacionistas levadas às últimas consequências. Nos ônibus urbanos, as poltronas separavam os negros dos brancos. Para dinamitar esse terrível apartheid, muitos negros começaram a se organizar no país. Malcolm X e Martin Luther King foram os grandes líderes da época. Malcolm defendia o retorno dos negros à sua terra genuína, a África. Martin Luther King Jr., pastor batista, pregava o diálogo, o amor e a não-violência.

Malcolm X, convertido ao islamismo, falava em “autoproteção”. Luther King se guiava em Mahatma Gandhi, e escolheu a “resistência pacífica” (levando o Nobel da Paz em 1964) para dirigir suas metas. Ambos, no entanto, pregaram a organização, a solidariedade e o isolamento racial para que os negros recuperassem sua autoestima. Os dois foram assassinados nos anos 60, um período muito tumultuado para os negros americanos. A violência se debandava e o consumo de drogas crescia vertiginosamente nos guetos do Bronx e do Harlem (outro bairro de maioria negra).

Foi um período de muitas guerras (Guerra Fria, Vietnã), e milhares de jovens negros seriam levados à morte nos combates – muitos voltariam mutilados, traumatizados ou viciados em drogas –, causando fortes reações internas no país. Alguns afirmam que o break (dança do hip hop) e os primeiros b.boys (break boys, ou “dançarinos do break”) se guiavam pelo movimento dos corpos mutilados de guerra ou então das parafernálias usadas nos combates – afirmam que um dos passos do break, o giro de cabeça, em que o b.boy gira a cabeça no chão buscando circular as pernas para cima, representavam helicópteros em ação de guerra.

Com a morte de Malcolm X e Martin Luther King, a saída pacífica para os conflitos parecia ainda mais distante. Foi quando surgiram os movimentos mais agressivos e engajados – como o Partido dos Panteras Negras (Black Panthers). A proposta que recebeu mais aceitação entre os negros foi chamada de Black Power (Poder Negro). A intenção dos “black powers” não era atacar o governo, mas defender seus direitos, sem influência dos brancos. No caso dos “Panteras Negras”, quando um policial agia com violência, os “Panteras” deveriam revidar – com igual violência – alegando "legítima defesa". Os Black Panthers exerciam grande influência entre os jovens negros, mostrando a importância de se organizarem, se dedicarem aos estudos e conhecerem as leis democráticas.

Com a repressão policial, entretanto, os Black Panthers acabaram dissolvidos – muitos aprisionados ou até mesmo assassinados pela polícia –, mas o fato é que suas ideias contribuíram, em muito, para o desenvolvimento do hip-hop. Outro fator essencial foi que os negros americanos, nos anos 60, não entraram na onda do rock’n’roll – estavam muito mais ligados na soul-music, movimento essencial para a consciência negra, com James Brown cantando versos como “sou negro e orgulhoso!”. Tudo que os negros sentiam, todas as suas ansiedades e alegrias eram proclamadas pela música soul e pelo funk. E com esses ritmos, o alicerce musical do hip hop estava praticamente construído.

A música
No final da década de 60, nas ruas do Bronx, nos guetos negros e hispânicos de Nova York, nascia mais uma grande novidade da música negra. O DJ Kool Herc trazia da Jamaica a técnica dos célebres sound systems de Kingston. Como vimos na história da música jamaicana, os DJs recitavam letras improvisadas – com mensagens políticas e filosóficas – sobre trilhas caseiras de dub.
Nos EUA, Kool Herc precisou apenas adaptar as coisas. Em suas festas de rua no Bronx, Herc começou a disparar versos sobre trilhas de soul e funk (no lugar do reggae e do rocksteady, utilizados na Jamaica). Como esses trechos musicais eram curtos (chamados de breaks), Herc então teve a ideia de empregar um áudio mixer (aparelho que conecta vários aparelhos) com dois discos iguais, e repetir aleatoriamente a música. Era criado o “break beat”.

Seguindo os mesmos caminhos, o DJ Grandmaster Flash desenvolveria, pouco depois, o scratch – técnica que consiste em manipular o disco com as mãos, arranhando-o contra a agulha. Em cima dessas novas trilhas de break beat com scratch, vinham os cantos improvisados dos MCs (mestres de cerimônia). No início, seus discursos eram bastante simples – usando gírias e aforismos populares –, mas logo ganhariam toques de sofisticação e engajamento.

Esse novo gênero musical, que então se alastrava pelas ruas do Bronx, seria mais tarde chamado de RAP – abreviação para rhythm and poetry (ritmo e poesia) – caracterizado pela quase inexistência de melodia e harmonia, mas carregado por longos discursos realistas de protesto. Em regra, o rap era executado por uma dupla: um DJ, incumbido da parte sonora, e o MC, encarregado do discurso (letra).

Logo começam a surgir nomes fundamentais do rap no Bronx: DJ Kool Herc, Africa Bambaataa, DJ Breakout e Grandmaster Flash. Como um gênero bastante acessível, o rap passou a ter muita importância para os jovens negros e hispânicos, dando-lhes oportunidade de se expressarem, tirando-os, muitas vezes, das ruas e do mundo do crime. Para criar um rap, não havia necessidade de dinheiro ou equipamentos caros. Tecnicamente, não havia limites, códigos, princípios, regras. Tudo era possível. O rap acabou democratizando a música nos guetos de Nova York – de onde homens, mulheres e crianças se amontoavam atrás de condições mais dignas de existência.

O discurso
Nas tradições milenares africanas, existia a figura dos griots, antigos contadores de história que levavam na memória o cotidiano de suas tribos, transmitidos em versos de pai para filho (como nos romances medievais ou, mais tarde, nos repentistas brasileiros, nos emboladores, etc.). Nos EUA, durante os anos 60, essa antiga tradição oral começou a ser revivida pela população afro-americana, desta vez usando as inúmeras gírias dos guetos de Nova York. Os negros então elaboravam seu discurso livremente – estilo chamado de freestyle, ou rap improvisado –, de modo que os brancos não entendessem suas mensagens.

Esses versos livres – cantados em cima das trilhas de break beat – contavam histórias de cafetões, prostitutas, brigas de rua, tiroteios e tudo que envolvia o estilo de vida no submundo. No começo dos anos 70, Watts Prophets e Gil Scott-Heron, desenvolveram habilmente essas tradições orais e empregaram seus versos nas guerrilhas política e social da época. Assim foi arquitetado o discurso realista e moderno do hip-hop.

Em nossa próxima coluna, estudaremos outras duas expressões do movimento hip hop: a dança (break) e as artes plásticas (grafite). Também conheceremos a indústria, as escolas e fusões que aconteceram no Brasil. Até a próxima!

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