Por Meon Em Brasil & Mundo

Revoluções Musicais do Século XX: Reggae - raízes da música jamaicana

Assim como os principais ritmos populares do século XX, as raízes do reggae foram trazidas por escravos africanos, amontoados nos porões dos navios negreiros. Uma história que começa a partir de 1670, quando colonizadores ingleses implantaram a produção de cana-de-açúcar, trazendo escravos para trabalhar nas lavouras. O primeiro estilo musical puramente jamaicano, já no século XX, foi chamado de “mento”, com peculiaridades próximas ao calipso de Trinidad e a rumba de Cuba.

Nas décadas de 1920 e 1930, o mento já acalorava as festas da Jamaica. No início dos anos 1950, porém, período de forte industrialização, sobretudo na capital Kingston, as rádios passariam a veicular ritmos que vinham do sul dos EUA, como o swing jazz e o rhythm’n’blues. Sem acesso aos discos nacionais, por conta do baixo poder aquisitivo, o povo jamaicano estava muito mais atento à música estrangeira, relegando o mento para segundo plano.

Com esta espécie de deturpação e carência musical, surgiram os primeiros “sound-systems”, caminhonetes equipadas de alto-falantes – como “trios elétricos” baianos – que passaram a levar música ao vivo para as multidões, transformando as ruas de Kingston em verdadeiros salões de dança ao ar livre. Os operadores de sound-systems eram animadores profissionais, produtores de discos, MCs (mestres de cerimônia) e DJs (disc-jóqueis). Chamados de “reis das ruas”, foram os grandes responsáveis pela democracia e popularização da música jamaicana.

Ska
Em 1959, surgia a primeira rádio jamaicana, a JBC (Jamaica Broadcast Corporation), com transmissões inteiramente dedicadas à música local. O país vivia um momento de grande orgulho, principalmente a partir de 1962, quando conquistaria sua independência, depois de séculos de dominação inglesa. Sintomaticamente, as pessoas começavam a descobrir seu próprio estilo, seus próprios costumes e tradições. As ruas borbulhavam. Nas áreas rurais próximas a Kingston, ouviam-se boatos sobre uma seita, o rastafarianismo, que pregava um retorno às raízes africanas e releituras mais livres da Bíblia.

Dentro desta efervescência social, nasceria o SKA, ritmo que misturava calipso e rhythm’n’blues, influenciado posteriormente pela música soul. Chamado de “jazz do terceiro mundo”, o SKA trazia uma sonoridade irrequieta e dançante, com o tempo acelerado, completado por um naipe virtuoso de metais. Dentro da gênese do SKA, podemos destacar o trombonista Don Drummond, que formaria a banda Skatalites, conectando a música jamaicana com os dogmas rastafáris – como irmandade, tolerância e orgulho racial. De carona com o Skatalites, surgiram nomes como Byron Lee and The Dragonaires, e também Jimmy Cliff.

Rock Steady 
O surgimento do rock steady é mais uma prova do realismo mágico que marcou a música ocidental no século XX. Conta-se que, em 1966, durante um verão muito quente, os DJs de sound-systems "desaceleraram" o ritmo do ska, com medo de que o povo se desidratasse dançando pelas ruas. Surgia assim o rock steady, mais lento e melódico, cadenciado e denso. O baixo e a bateria ganhavam destaque, enquanto a guitarra e o teclado passavam a marcar o ritmo – assim como acontecia com a música soul nos EUA. As letras traziam a angústia e a militância política como temas centrais, em contraponto ao romantismo módico do ska.

Reggae
A exemplo de todas as expressões musicais que brotavam na Jamaica, o reggae também nasceria das mãos dos DJs de sound-systems e seria adotado espontaneamente pelo povo. Junto ao grande despertar jamaicano, os apelos pacifistas eram perpetrados não só pelos rastafáris – que acreditavam na salvação sem o uso da força – mas também por cidadãos comuns, cansados de suas rotinas violentas.

Com toda ebulição cultural do período, seria natural que grandes produtores também surgissem – nomes como Lee Perry, Bunny Lee e King Tubby, que, além de mais inventivos que os DJs, gozavam das novas tecnologias para enriquecer suas obras. Esses jovens produtores implantariam uma dura missão vanguardista: suplantar as antigas estruturas que monopolizavam a cena musical jamaicana. Foi exatamente desta busca que nasceu o reggae, como evolução de todas as fases anteriores: rhythm’n’blues, mento, calipso, jazz, soul, ska e rock-steady.

O reggae nasceu como um rock-steady em câmera-lenta, preservando a mesma estrutura: baixo e bateria à frente, guitarra e teclado ritmados. Socialmente, o reggae pode ser considerado um produto dos rastafáris, que migravam dos campos com seus ideais humanistas, voltados às raízes da cultura africana.

Em 1969, os integrantes do The Wailers convidaram Lee Perry para trabalhar com a banda. Atraído pela figura de Bob Marley (cantor e compositor do grupo), Perry lançaria a maior revolução musical jamaicana, o disco Catch a Fire (1973) – já com o nome “Bob Marley and The Wailers” – distribuído pela primeira gravadora jamaicana, a Island Records. Marcado pela extrema originalidade, Catch a Fire foi o primeiro álbum jamaicano a trazer suas faixas inéditas, todas assinadas por Bob Marley e Peter Tosh.

Bob Marley aparecia na capa fumando um baseado com seus longos dread-locks. Mesmo com o enorme sucesso e talento único, Marley – que crescera ouvindo a música soul de Curtis Mayfield, Fats Domino e Ray Charles – jamais abandonaria suas origens e as causas de seu povo, revolucionando a música pop mundial com suas canções e letras. Seu nome rapidamente passou a ostentar a cátedra de porta-voz dos oprimidos pela violência social. Nos anos 1990, Marley seria enfim considerado a maior divindade musical do terceiro mundo.

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