Desde pequena, temi por minha vida no escuro, apesar disso, mamãe sempre me dizia que eu não deveria ter medo de nada. Nada poderia me fazer mal ali, mas o que ela não sabia, é que todas as noites ele vinha me visitar, com seus olhos medonhos e seu sorriso nefasto, é só o que eu via, seus olhos e dentes, que pareciam querer me devorar sempre que os sentia fitando minha pele.
O Senhor de Preto me visitava todas as noites, me acostumei a recebê-lo em meu quarto, era como um hóspede indesejado, mas que eu não poderia mandá-lo embora por já ser parte da família. Nos mudamos para outra casa, menor e mais nova, com promessas de esperança em seu interior, o senhor de preto não me visitou por alguns meses, mas eu podia sentir o mal se aproximando.
Voltei a vê-lo, mas dessa vez só o topo de sua cabeça, me olhando pela fresta superior de minha porta.
Penso que o pútrido senhor ainda não tinha se familiarizado com a casa, portanto não poderia adentrar qualquer recinto, mas um velho mau agouro já ia reaparecendo dentro de minhas entranhas. Meses depois, o senhor de preto não se contentando mais em me olhar a distância, se aproximou.
Agora eu o via por completo, me olhando do canto de meu quarto, me devorando com seus olhos e seu sorriso perturbador, dava para sentir ele se deliciando com meu medo, o cheiro de seu sadismo me queimava por dentro, cada vez mais perto, cada vez mais faminto, esperando apenas uma oportunidade de me consumir, mas a esta altura, bom, você já deve imaginar…
Acordei em uma noite, notando que o Senhor de Preto não havia me visitado, por um momento senti esperança, talvez ele tivesse se cansado de brincar comigo, talvez tivesse encontrado outro brinquedo, um mais divertido, um que saciasse sua fome por completo, a ponto de lhe deixar enjoado.
Olhei para o lado, senti meu corpo estremecer e paralisar, um misto de nojo e desespero percorria todo meu ser e eu pude ver que o Senhor de Preto havia notado isso, seu sorriso malicioso e profano faria Judas no inferno sentir inveja, seus olhos me cegaram, me jogaram do precipício, me afogaram em águas escuras e frias, estava incapaz de me mexer.
Enquanto isso, o Senhor de Preto vibrava, num misto de alegria e perversidade. Eu sentia o cheiro de sua fome, era fedida e repulsiva, como se eu fosse ser caçada a qualquer momento e ele se divertia com isso, pude perceber sua felicidade enquanto me emporcalhava de preto contra minha vontade, finalmente estava prestes a me devorar, como planejou por anos, como desejou em cada uma das noites em que me fitou enquanto eu dormia.
Eu via meu corpo paralisado, sendo marcado por ele, marcas que, anos depois, apenas eu reconheceria, marcas que durariam para sempre. Então em um ato de insanidade ou coragem, esbravejei o mais alto que pude e me levantei, o Senhor de Preto ainda me olhava faminto, mas agora, curioso e assustado, e em um passe de mágica, sumiu como poeira no ar.
O esperei todas as noites depois daquela, consciente de que eu agora tinha forças para me defender, ninguém acreditou em mim, mas eu sabia que no escuro residia o mal.
Com supervisão de Yeda Vasconcelos, jornalista do Meon Jovem.
Boleto
Reportar erro!
Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:
Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.