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'Pôr Exército na rua é dar férias a bandidos', diz ministro da Defesa

Raul Jungmann afirma que os militares atuam "sob demanda"

Ministro da Defesa Raul Jungmann Marcelo Camargo/Agência Brasil.jpg

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, diz que os militares atuam "sob demanda"

Arquivo/Meon

O modelo das Forças Armadas ocupando uma área, como o Complexo do Alemão ou da Maré, no Rio, está enterrado. Ao menos na atual gestão. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que os militares continuarão a atuar "sob demanda", usando seu grande contingente para o cerco de áreas em apoio às polícias e na área de inteligência. O modelo anterior, segundo ele, tinha como único resultado "dar férias para os bandidos". Aqui, ele faz seu balanço sobre o uso das ações dos militares em missões de Garantia de Lei e Ordem (GLO) no País.

Há um crescimento de década para década da participação das Forças Armadas em ações contra o crime organizado nos Estados. Essa tendência é sustentável a longo prazo, ministro?

O que eu tenho observado é que predominam, no caso das GLOs, as ações ligadas à greve de polícia, que é uma questão de segurança pública, e de combate à violência urbana. Somando os dois dados chega-se a 36% (o ministro refere-se à consolidação dos dados feitos pelo Ministério da Defesa), o que representa a emergência na área da segurança pública do País nas últimas duas décadas. Representa também uma opção do constituinte, que deixou 80% das responsabilidades da segurança pública com os Estados. A União ficou com 20%, com o combate ao tráfico internacional de drogas e armas. E não se criou nenhum corpo intermediário entre as Forças Armadas e as forças regulares da segurança pública para que atuasse nas situações extraordinárias, excepcionais, onde você tem a falência ou incapacidade dos governos estaduais de manter a segurança. O que eu quero dizer com isso? Estou pensando nos Estados Unidos, que têm a Guarda Nacional, que é exatamente esse corpo que desempenha esse papel.

Não existe uma Polícia Militar Federal...

O que nós temos é um arremedo, que é a Força Nacional, que cumpre sua função, mas precisa ser permanente, senão você tem a banalização da GLO. E essa banalização da GLO não é boa para as Forças, e não é boa para o próprio País. As Forças Armadas não têm capacitação e treinamento e muito menos vocação para substituir as polícias. Sem nenhum demérito ao papel e à importância que têm as polícias, mas a formação do militar é para a defesa da soberania nacional.

Por exemplo, empregar as Forças Armadas para revista em presídios, como está sendo feito? Certamente quando se criou o modelo de GLO não se pensava que a falência na área de segurança chegasse ao ponto de exigir a presença do Exército para revistar penitenciárias, não é?

Vou lhe dar um dado que corrobora isso que você está dizendo. Um em cada três presos - e nós já fizemos mais de 30 varreduras - está armado. Ou seja, os nossos presídios e penitenciárias são peneiras e são home office do crime organizado. Esse é um dos problemas centrais da nossa segurança: nós não somos capazes de cortar o comando de quem está preso e, aliás, grande parte dessas gangues surgiu no sistema penitenciário, que é uma espécie de incubadora do crime organizado. Marcinho VP está há 15 anos em Mossoró e continua mantendo o controle sobre sua organização. Marcola está mais ou menos o mesmo tempo preso. O que você verifica é que essa não é uma atribuição das Forças Armadas. Mas as Forças Armadas no Brasil cumprem funções extracentrais. É difícil encontrar outras Forças Armadas que cumpram tantas funções.

O senhor percebe o desejo de governos estaduais de transmitir o ônus da segurança pública para o Exército?

É uma tentação. É uma tentação em governos estaduais com crise fiscal - tem Estado que pede GLO e há 12 anos não faz concurso para a polícia -, com sistemas prisionais saturados e convivendo com problemas de opinião pública. Se nós vamos para policiamento das ruas, isso isoladamente é dar férias aos bandidos. Quando você põe as tropas nas ruas, o crime se retrai. Porque ele sabe que nós não podemos ficar lá muito tempo. Seja porque ele sabe que a lei não permite, seja porque é muito caro. Quando nós saímos, eles voltam. Ou seja, você não golpeia a capacidade operacional do crime.

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Ao mesmo tempo os Estados se sentem desobrigados...

Claro que há uma certa desobrigação. De fato isso se comprovou. Nós estivemos durante um bom tempo no Alemão e na Maré (no Rio). As quadrilhas saíram, ganhamos a confiança das comunidades, mas como o Estado não entrou fazendo a complementação social disso - emprego, renda, saúde e educação -, quando nós saímos, tudo voltou a ser como antes. E os militares se sentem, nesse sentido, corretamente, usados. Pois fizemos todo o trabalho, o trabalho mais duro, mas não houve complementação. O sentimento é que nós enxugamos gelo.

Qual será então o papel das Forças Armadas nessas ações?

Então, nós estamos atuando no Rio de Janeiro dentro da seguinte lógica: não ocupamos permanentemente nenhuma área. Segundo: atuamos por demanda, em apoio às forças policiais que lideram o processo. Então, por exemplo, você tem uma comunidade. Nosso papel é de fechar, de blindar. Só nós temos massa para fechar, por exemplo, todas as entradas e acessos de uma grande comunidade como a Rocinha, que tem 80 mil pessoas. Isso libera o pessoal lá dentro para fazer busca e apreensão. Terceiro: atuamos integradamente por meio da inteligência e estamos à disposição para fazer varreduras e apoio logístico. Isso decorre da compreensão de que a ocupação abaixa a temperatura, mas não combate nem elimina a infecção. A infecção tem de ser combatida com a inteligência, com os policiais e a capacidade do Judiciário. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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