Por Andressa Lorenzetti Em RMVale Atualizada em 13 MAI 2020 - 22H22

Economia x Saúde: médico alerta sobre os riscos do relaxamento da quarentena neste momento

Você sabe quantas pessoas podem ser contaminadas por um paciente infectado pela Covid-19? Confira na reportagem

Arquivo Pessoal
Arquivo Pessoal
David Souza Lima é médico psiquiatra e presidente da Associação Paulista de Medicina de São José dos Campos


Nos últimos dias, o relaxamento da quarentena na região do Vale do Paraíba tem sido observado em áreas públicas, mesmo com a prorrogação feita pelo Governo do Estado. Muitas pessoas estão circulando pelas ruas como se a pandemia já tivesse passado. O isolamento decretado tem sido ignorado mesmo sem necessidade e sem a proteção obrigatória como as máscaras. Há quem acredite que não há risco e que a doença não representa tanto perigo assim.

Outra polêmica é como equilibrar a economia se a maioria não consegue trabalhar. O  Governo Federal defende a flexibilização do comércio o quanto antes, para que o setor possa se recuperar mais rapidamente e isso se estende à algumas prefeituras como São José dos Campos, deixando claro que é preciso manter a prevenção recomendada.

Mas do ponto de vista médico, será que retomar as atividades neste momento, mesmo que parcialmente e com os cuidados básicos de higiene, pode influenciar no crescimento mais rápido de casos de contaminação pelo vírus e até no número de mortes?

Nós conversamos com o médico David Souza Lima, presidente da Associação Paulista de Medicina de São José dos Campos, que analisou o atual cenário da doença e revelou até quantas pessoas podem ser infectadas por um único contaminado pela Covid-19. Confira.          

Meon- Enquanto os casos de coronavírus crescem a medida que os resultados dos exames vão confirmando novos contaminados, nos sentimos divididos entre a retomada da economia e os cuidados essenciais com a saúde. Do ponto de vista médico, diante da atual situação da doença, é possível relaxar a quarentena de alguma forma, flexibilizando comércio e diminuindo o isolamento social?

Essa disputa que existe entre a economia e a saúde é algo que tem gerado um questionamento muito grande, mas na verdade as coisas andam interligadas, não dá para desassociar. O grande problema que aconteceu aqui no Brasil, é que transformou-se um problema de saúde em político também. Então, alguns políticos vão em uma direção e outros vão em outra e a população fica nesse "tiroteio", isso é muito ruim.

Agora do ponto de vista de saúde, o entendimento principalmente do lado médico, é que a gente precisa no primeiro momento, cuidar da área da saúde e fazer com que não ocorra lotação nos hospitais como em outros países. Se não, pacientes graves que chegam não conseguem assistência adequada e essas pessoas perdem a vida por que a parte médica , a parte de saúde, não consegue dar essa assistência.

A gente ainda não chegou no estado de São Paulo, no pico da pandemia, que é quando chega ao maior número de casos pra gente ver se realmente o sistema de saúde suporta e a partir disso, se é possível pensar em relaxamento, volta das atividades e abordar a economia. Não é momento de fazer isso, apesar de haver opiniões divergentes nesse sentido. A gente está vendo que na cidade de São Paulo, as UTI's já estão começando a ficar lotadas.

Meon - Isso pode ter a ver com a falta de cuidado em relação à prevenção e ao isolamento? Dados divulgados pelo Governo de São Paulo, mostram que o índice de isolamento social caiu, está menos de 50% no estado. Acaba refletindo no aumento do número de casos, além da curva do contágio?

Quando a gente relaxa a quarentena, as pessoas acabam saindo mais, se expondo mais e esse vírus tem uma transmissibilidade muito alta, acaba fazendo que a chance de transmissão aumente muito. Então quando você relaxa nesses aspectos da quarentena, a chance de aumentar o contágio é maior. A transmissão muitas vezes é exponencial, a cada 1 pessoa contaminada, transmite o vírus em média para 3 pessoas. E essas 3 vão transmitir teoricamente para 9, que vão transmitir para 27.

O grande dilema do crescimento exponencial é que muitas vezes no começo parece que é algo pequeno, mas avançando no tempo, começa a crescer de maneira muito rápida, aí o sistema de saúde pode se esgotar e a gente não conseguir dar o suporte adequado para a população. Então esse é o grande medo na área da saúde.

A última coisa que o médico quer que aconteça, é estar em um hospital, chegar alguns pacientes doentes muito graves e o número de respiradores não ser suficiente para dar o suporte clínico, é algo muito grave, porque a pessoa pode perder a vida por causa de um equipamento. Isso chegou a acontecer em alguns países como na Itália por exemplo e não queremos que aconteça no Brasil.

Meon- Mas é possível as pessoas irem retomando as atividades com os cuidados básicos como uso de máscara e álcool em gel? Qual é a orientação?

Eu penso que para retomar as atividades, precisa pelo menos passar pelo pico da pandemia, onde há o aumento de casos e a gente ainda não chegou, a curva ainda está subindo, então isso é o grande dilema. Claro que todos nós queremos que a economia volte o mais rápido possível, ninguém é contra a economia, mas a grande questão é a seguinte, se o sistema de saúde ficar super lotado, pode gerar uma quarentena ainda maior. Então do ponto de vista racional, é melhor a gente ir devagar, esperar passar o vendaval vamos dizer assim e aí começar a relaxar, quando a curva descer.

Meon- Então na sua avaliação, academias, salões de beleza, que não são serviços essenciais como supermercados, teriam que esperar mais um pouco, mesmo que haja um decreto que libere?

Vai da consciência e é um risco muito grande. Ninguém sabe exatamente o que vai acontecer. A partir do momento que você começa a liberar mais atividades, a chance da transmissão aumenta e a chance do sistema de saúde lotar aumenta também. São José dos Campos é uma cidade que tem uma organização hospitalar muito boa. A gente tem um suporte aqui relativamente bastante bom nesse sentido. Mas é uma referência para outras cidades também aqui no Vale do Paraíba e até São Paulo. O Governo Estadual chegou a dar declarações no sentido que eventualmente poderiam transferir pacientes de São Paulo para o interior. Essa é a grande questão, a gente não lida com território fechado, o sistema de saúde é integrado. Isso de uma hora para outra pode tomar uma outra proporção.

Meon- A máscara de proteção facial, que é obrigatória no estado, é só preventiva e as pessoas não podem ficar abusando, ou ela impede o contágio?

É um artefato a mais que pode ajudar sim na diminuição da transmissibilidade do vírus, mas não é só a máscara, tem que continuar lavando a mão, com o distanciamento social, não ficar próximo das pessoas , tem que ter os cuidados gerais de higiene. A máscara não significa estar imune, algumas não estão sendo feitas com tecidos adequados e as que são mais fortes são utilizadas no ambiente hospitalar. Claro que tem que usar, mas é um elemento a mais.

Meon- Dentro daquilo que você tem acompanhado na área médica, a evolução tanto de tratamento, quanto da prevenção do coronavírus, vem ocorrendo? Tem alguma novidade nesse aspecto?

Tem uma discussão muito grande em relação à cloroquina, para ser usada e tudo mais, mas até hoje não existe nenhum trabalho que tenha um nível de evidência maior para o uso da droga no sentido de falar que esse remédio trata e cura a doença. Não tem nenhum trabalho grande nesse sentido falando isso. Ela é uma possibilidade com um nível de evidência relativamente pequeno. As pessoas estão depositando muita fé na cloroquina , mas não é bem assim, há uma pressão política muito grande. Tanto que se fosse a salvação, a pandemia não teria crescido como está, não só no Brasil, mas em todo mundo também. 

Em Hong Kong foram feitos testes com as drogas interferonbeta 1-b, lopinavir-ritonavir e ribavirin, e preliminarmente parece que os resultados foram bons. Nos Estados Unidos, foi feito um trabalho com a droga remdesivir, que pode ser uma alternativa também, mas em ambos os casos, os estudos precisam avançar ainda mais. 

As pessoas que estiverem tendo sintomas graves relacionados à outras doenças, como por exemplo infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC) , devem procurar atendimento médico hospitalar. As outras doenças não deixaram de existir. Isso é muito importante também.

1 Comentário

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.

0

Boleto

Reportar erro!

Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:

Por Andressa Lorenzetti, em RMVale

Obs.: Link e título da página são enviados automaticamente.