Por João Pedro Teles Em RMVale

Ex-guerrilheiro na ditadura luta contra Alzheimer em São José

Cinquenta anos após o golpe militar que deu início à ditadura no Brasil, o ex-guerrilheiro João Batista de Souza vive uma rotina de restrições dentro de uma casa simples no Campo dos Alemães, bairro da zona sul de São José dos Campos. Alzheimer, cirrose e um acidente vascular cerebral sofrido em agosto do ano passado, lhe impuseram limitações na fala e certa desorientação ao recordar fatos passados.

Souza foi peça importante na luta armada durante os Anos de Chumbo, que completa meio século nesta segunda-feira. Atuando na grande São Paulo, o ex-guerrilheiro foi membro da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, grupo que foi comandado à época do regime militar pela presidente Dilma Rousseff. A militância perdurou por sete anos, entre 1967 e 1974.

"Estive com ela (Dilma Rousseff) muitas vezes. Era uma comandante com capacidades intelectuais que se destacavam dos demais. Foi importantíssima para o movimento contra a ditadura", ressalta.

Operário à época, o ex-guerrilheiro entrou para o Partido Comunista Brasileiro depois de atuar em sindicatos da classe. No grupo, sua função era principalmente organizar os assaltos a banco para arrecadar verbas para o movimento. Mais de 20 ações foram arquitetadas.

"Usávamos armamento pesado e, por isso, não encontrávamos muita resistência dos guardas. O mais difícil era organizar a fuga. Saíamos em três carros, sendo que um ficava de longe, apenas para garantir a segurança caso algo acontecesse. O dinheiro ficava em um e os outros iam de guarda. Nos encontrávamos em um ponto onde os outros veículos estavam nos esperando. Dali nos dividíamos em rotas diferentes. Minha função era organizar horários e pontos de encontro", lembra.

Prisão e tortura
Por ser membro do partido comunista e militar em greves e passeatas do sindicato, Souza foi detido três vezes e solto pouco tempo depois de fichado. Mas no dia 1º de janeiro de 1970 acabou preso e sofreu as consequências de atuar contra o regime. Naquele dia, sua casa abrigava mais de 50 armas entre fuzis e pistolas, munição e dezenas de bombas de fabricação caseira que seriam usadas nas ações do grupo.

"Como estava responsável por todo esse arsenal, comemorei a passagem do Ano Novo sem muitos exageros na casa do meu vizinho. Logo de manhã ouvi fortes batidas no meu portão e achei que era alguém que tinha bebido demais na festa. Mas eram soldados do Exército e guardas da Polícia Militar. Um grupo com mais ou menos 20 deles", diz.

Na ocasião, entregar-se seria como assinar a sentença de morte e engrossar a lista de militantes desaparecidos. Portanto, Souza não esperou a ação dos militares e, de sua janela, abriu fogo contra o grupo de militares.

Foi utilizado tudo o que havia à mão, inclusive as bombas, arremessadas para o lado de fora. O objetivo era chamar a atenção dos vizinhos e da imprensa na expectativa de que a cobertura do caso intimidasse uma eventual execução.

Após quase três horas de tiroteio e já com a presença da mídia, foi negociada uma rendição sob a condição de que não haveria tortura. Trato solenemente descumprido logo que Souza foi encaminhado ao Departamento de Operações Internas do Exército.

"Logo me colocaram em uma cadeira elétrica, onde eu ficava preso pelos tornozelos e pelos punhos. A partir de então foram 28 dias de tortura pesada, sem parar. Além da cadeira, também tinha o 'pau-de-arara', onde a gente era amarrado de cabeça para baixo", diz.

São José
Souza foi solto em 1974. No ano seguinte veio para São José dos Campos ainda respondendo ao processo na Justiça por ter atuado como militante. Em São José tentou iniciar uma nova vida, longe da militância. Foi vendedor de planos de saúde e envolveu-se na formação do Partido dos Trabalhadores na cidade.

"Anos de tortura e prisão fazem com que algumas pessoas não consigam mais se encaixar na sociedade. Isso também aconteceu com ele. A marca na nossa família é tão grande que sempre me pego perguntando se realmente valeu a pena lutar tanto pela democracia", confessa Francisca dos Santos, mulher do ex-guerrilheiro. Souza e Francisca tem uma filha de 29 anos.

Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.

0

Boleto

Reportar erro!

Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:

Por João Pedro Teles, em RMVale

Obs.: Link e título da página são enviados automaticamente.