Por Fabiano de Paula Porto Em Blog e Colunas Atualizada em 07 MAI 2021 - 12H02

O inédito consenso global pelo desenvolvimento sustentável

"A convocação da Cúpula pelo Clima realizada por Biden é o gesto definitivo de alinhamento dos EUA ao tema ambiental", diz colunista

Pela primeira vez na história humana existe um consenso e alinhamento global sobre um tema que nem Karl Marx, nem Adam Smith consideravam com relevância em suas análises: a importância de considerar o meio ambiente na conta do capital.

A convocação da Cúpula pelo Clima realizada por Biden é o gesto definitivo de alinhamento dos EUA ao tema ambiental, pondo fim a “Era Trump” que pregava o nagacionismo climático. As metas ambiciosas anunciadas pelos maiores países do mundo demonstram que, enfim, a comunidade internacional parece compreender a necessidade de agir com veemência em prol da sustentabilidade. É a primeira vez que as metas anunciadas realmente são capazes de gerar resultados positivos relevantes a níveis globais. Resta saber se elas serão realmente cumpridas.

“O caminho da descarbonização está dado; agora virá uma corrida pelas melhores tecnologias para isso”, avalia a economista e doutora em ciência política Ana Toni, diretora do Instituto Clima e Sociedade. “Clima é um dos poucos temas em que esses países entendem que têm que cooperar, pois só conseguem lidar com esta questão climática isso juntos”, afirma Toni.

A exceção do Brasil

Apesar de ser uma potência ambiental, o atual presidente Bolsonaro conseguiu transformar o Brasil em pária global nesta área ao seguir o caminho de Trump, realizar o maior desmonte da fiscalização ambiental da história do Brasil e permitir os maiores índices de desmatamento em décadas. Mas agora órfão do americano, se vê obrigado a realinhar o discurso diante deste consenso global.

Este papel de “ameaça global” é inédito na história do Brasil e até impensável, uma vez que pelo histórico e potencialidades do Brasil na área ambiental, poderíamos estar agora em grande destaque internacional trabalhando com os maiores países do mundo na construção de uma economia mais verde e resiliente. Ao invés disso, estamos exatamente no caminho oposto, promovendo uma agenda “antiambiental” que demonstra exatamente o que um país não deve fazer nesta área.

Mas independentemente deste pesar que enfrentamos no Brasil, a agenda em prol do desenvolvimento sustentável alcança um novo patamar em 2021 e já recebe adesão das maiores economias e fundos de investimento do mundo.

Investimentos históricos em Sustentabilidade

Como reflexo do crescimento deste mercado, o volume de investimentos em setores ligados a sustentabilidade já é histórico. Além de apoio financeiro a projetos focados no meio ambiente e mitigação das mudanças climáticas, os investimentos contemplam também aportes em questões sociais, redução da pobreza e desigualdade econômica, moradias e energia sustentáveis,

Em um gesto internacional neste sentido, o presidente americano, Biden, anunciou pacote de estímulo de R$ 2,3 trilhões de dólares (R$ 13 trilhões de reais; quase 7 vezes maior que o PIB do Brasil) onde contempla um ambicioso investimento de US$ 174 bilhões de dólares no mercado de veículos elétricos (leia artigo “A Era dos Carros Elétricos e os 3 riscos que devemos evitar como Sociedade”), além de US$ 400 bilhões dólares para investimento na expansão do acesso a cuidados comunitários para norte-americanos idosos e pessoas com deficiência e US$ 213 bilhões destinados à construção e reforma de casas sustentáveis e acessíveis.

O anúncio norte americano vem quase um ano depois da União Européia lançar, em maio de 2020, o “Next Generation EU” com ações e estratégias para retomada da economia pós Covid e a construção de da chamada “retomada verde”, com maiores investimentos para o setor. O plano contempla investimentos de € 750 bilhões (R$ 5.2 trilhões de reais) para países que mais sofreram com a pandemia, e ainda outros € 1,1 trilhão (R$ 8.5 trilhões de reais) da União Europeia para investimentos em todos os países membros nos próximos sete anos. O novo plano europeu reserva 25% do recurso exclusivamente para projetos que visem a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

A “Economia Donut” de Amsterdã

Já na cidade de Amsterdã, na Holanda, foi aprovado a aplicação de um novo modelo de desenvolvimento chamado de “Economia Donut”, que propõe uma alternativa ao crescimento econômico a qualquer custo.

Criado pela economista de Oxford, Kate Raworth, consiste em um sistema que estabelece limites máximo e mínimos de desenvolvimentos, em sintonia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e outros parâmetros. A origem do nome vem das duas linhas que representam os mínimos recursos necessárias para uma vida em bem-estar, e os limites ambientais estabelecidos pela ciência e pesquisadores do país.





Capital privado e a agenda ambiental

A transição para uma economia mais verde não é constatada apenas no setor público, mas também nas grandes empresas, corporações e fundos de investimentos. Segundo o GIIN – Global Impact Investor Network, os chamados “investimentos de impacto”, modalidade de investimento que visa resultados positivos no meio ambiente e/ou sociedade, além do retorno financeiro, cresceram de US$ 228 bilhões em 2018 para mais de US$ 1 trilhão de dólares em 2020.

Um dos maiores fundos de investimento do mundo, “BlackRock”, que administra quase US$ 2 trilhões de dólares, vem fortalecendo há anos um direcionamento mais sustentável de seus investimentos, mas foi em 2020 que anunciou a virada definitiva com o anúncio do direcionamento: “a sustentabilidade deve ser o nosso novo padrão de investimento.” A carta ainda segue dizendo que o fundo irá trabalhar para “tornar o investimento sustentável mais acessível a todos os investidores e reduzir os obstáculos para aqueles que querem agir.”




Mesmo antes da pandemia, estudos científicos e econômicos já demonstravam que fomentar a transição para um desenvolvimento de baixo carbono e mais resiliente às questões ambientais e sociais representam o melhor caminho, inclusive em termos financeiros. O movimento internacional chamado “New Climate Economy” aponta que ações ambientais robustas podem resultar em um resultado líquido de US$ 26 trilhões em retorno financeiro até 2020, se comparado ao modelo tradicional, e ainda a geração de mais de 65 milhões de empregos e mais de 700 mil mortes evitadas em função da melhoria da poluição do ar até 2030.

A busca por novos conceitos para a Economia

Com a ascensão do tema na sociedade, novos conceitos estão surgindo na tentativa de estruturar uma nova metodologia de desenvolvimento. Um deles é o chamado “capitalismo regenerativo” ou “economia regenerativa”. Como explica John Elkington, um dos maiores nomes do setor no mundo, em sua palestra “O boom do capitalismo regenerativo” no evento ESG Expert da XP Investimentos, o termo sustentabilidade deve se consolidar na sociedade, mas é preciso ir além, pois seu significado é limitado. “Penso que em 100 anos a palavra sustentabilidade será compreendida como um conceito similar a liberdade, democracia, ou seja, como um ponto fundamental da sociedade. Mas eu realmente acredito que o uso de termos como ‘regeneração’ são importantes, pois regeneração significa muito que mais que sustentabilidade. Sustentabilidade transmite um conceito de simplesmente manter as coisas como estão, manter e sustentar o impacto, e não representa o significado original de mudança de sistema. O termo ‘regeneração” é muito mais difícil de distorcer, porque significa que você está reconstruindo as coisas, movimentando, reconstruindo a saúde de grandes sistemas”, explica Elkington.

Estamos em um momento chave para a humanidade. Uma encruzilhada, onde os próximos 10 anos provavelmente definirão os rumos dos próximos 100 anos. É preciso senso de urgência para a transição à uma economia mais verde. Movimentos como o “Extintion Rebellion” que pressionam países a declarar “emergência climática” são importantes neste processo de “despertar global” para a urgência do tema. É preciso colocar o tema da sustentabilidade na mesa de todos os líderes mundiais.

Podemos ter um futuro baseado na sustentabilidade e na regeneração que gere maior prosperidade compartilhada e senso de cooperação ou seguirmos um caminho conservador, que mantenha o modelo econômico atual que está conduzindo a humanidade para sua própria extinção ou, no mínimo, a uma sociedade de grandes privações nas áreas essenciais.

Enfim começamos a ver um esforço cooperativo entre países, empresas e a sociedade para construir novos modelos de desenvolvimento que sejam mais inteligentes e assertivos em garantir equilíbrio financeiro e bem-estar socioambiental. A questão em aberto é se todos esses esforços pela “regeneração” de nosso sistema serão realizados no tempo e na intensidade necessária para não deixarmos a conta de um planeta em colapso para as futuras gerações.

O resultado deste consenso global pela sustentabilidade apenas o tempo dirá. Mas ao menos o primeiro passo foi dado.

Escrito por
Fabiano Porto (Arquivo Pessoal)
Fabiano de Paula Porto

Jornalista, especialista em Gestão de Mídias Digitais e Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral. Presidente confundador da Organização Social Instituto Regeneração Global.

Mentor na Founder Institute com ênfase em Negócios de Impacto e ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Possui 15 anos de experiência na área de comunicação, sendo mais de 10 anos como diretor de agência de marketing digital (Tec Triade Brasil).

Como palestrante em marketing, empreendedorismo e sustentabilidade esteve presente em mais de 30 cidades do Brasil representando cerca de 40 empresas e organizações. Também atuou por dois anos como Diretor do Capítulo de SJC da ABRADI (Associação Brasileira de Agentes Digitais) e foi Vice Presidente do Instituto Nikola Tesla.

fabianopporto@gmail.com

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