Quem olhasse para o Brasil há pouco mais de dois meses certamente teria muitas dificuldades em achar motivos para perspectivas positivas. No início de maio, quando Dilma Rousseff ainda estava na presidência, a Focus mostrava queda de 3,89% no PIB este ano, o dólar rodava R$ 3,50 e o CDS de cinco anos estava perto de 340 pontos-base. Hoje, porém, a expectativa de ampliação da liquidez global e uma reversão na política econômica doméstica geram uma onda de otimismo com Brasil entre os gestores de recursos.
O economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani, explica que o relatório sobre o mercado de trabalho (payroll) nos EUA em maio - que mostrou a criação de apenas 38 mil vagas, quando a projeção era de 158 mil - alterou significativamente as projeções de normalização da política monetária por lá este ano. Na sequência, o Brexit, no fim de junho, levou o Banco da Inglaterra a reverter o curso. No restante da Europa e no Japão, a falta de resposta da economia também gera expectativas de mais estímulos.
"A ampla liquidez global empurra os investidores para ativos de risco, e os mais conhecidos são bolsa e mercados emergentes", afirma Padovani. Segundo ele, esse é um movimento global, ou seja, a melhora nos ativos não é exclusividade do Brasil. Ao longo dos últimos 30 dias, o real se valorizou 6,1% em relação ao dólar, e hoje oscila na faixa de R$ 3,25. Outras moedas emergentes e de países exportadores de commodities, no entanto, também avançaram. É o caso do rand sul-africano (+5,9%), o rublo russo (+3,6%) e o dólar australiano (3,3%). No caso brasileiro, o CDS já caiu para a casa de 286 pontos-base, enquanto as projeções para o PIB deste ano na Focus estão em -3,30%.
A visão de Padovani é compartilhada pelo sócio-fundador da Opportunity Asset Management Dório Ferman. "Por ora predomina a ideia de que, diante, de eventos negativos para o crescimento mundial, os bancos centrais no mundo desenvolvido tendem a manter condições monetárias ainda mais acomodatícias e por mais tempo. Esse movimento produz efeitos fortes sobre os preços dos ativos de risco ao redor do mundo, e certamente teve efeito importante também sobre o Brasil", afirma.
Os economistas e investidores concordam ainda que houve mudanças importantes na gestão da política econômica doméstica, com o afastamento de Dilma e a entrada de Michel Temer, que colocou Henrique Meirelles na Fazenda e Ilan Goldfajn no Banco Central. Ferman aponta que agora há um reconhecimento dos desequilíbrios macroeconômicos e o governo tem acenado com um conjunto de esforços para combatê-los. "O Brasil tinha chances reais de virar uma Venezuela. Agora, pode voltar a ser o Brasil do fim do governo FHC e início do governo Lula", diz o diretor de renda variável da Franklin Templeton Investimentos Brasil, Frederico Sampaio.
"O Brasil claramente está abandonando o populismo dos últimos anos e adotando políticas responsáveis. Além disso, a atividade econômica está começando a melhorar", reforça Padovani. Ele chama atenção ainda para o fato de que vários países emergentes, em especial na América do Sul, estão vivenciando uma guinada em direção a políticas mais responsáveis, enquanto em algumas economias desenvolvidas existe o risco de políticas populista. É o caso da retórica que levou ao Brexit e do discurso encampado pelo pré-candidato republicano à presidência dos EUA, Donald Trump. "Os emergentes de um modo geral estão sendo vistos quase como portos seguros", aponta.
O Brasil, por conta do tamanho dos mercados financeiros e também de sua economia, acaba se beneficiando mais do que outros emergentes do contexto global, já que gera maiores oportunidades de investimento. Fermam lembra que, com grande parte do estoque de dívida soberana no mundo hoje oferecendo retornos nominais negativos, isso gera uma situação em que mesmo a preservação de capital a longo prazo torna-se um grande desafio. "Nesse contexto, o Brasil, mesmo ainda tendo desequilíbrios macroeconômicos importantes, é percebido como uma oportunidade, principalmente diante de uma agenda construtiva de reformas".
Em meio a esse cenário promissor, alguns analistas já chegam a falar em "tempestade perfeita ao contrário", porém outros mais céticos alertam para a necessidade de evitar a euforia. "É um encontro feliz de movimentos. Nós vamos passar por um período de curto prazo muito favorável, mas é preciso cautela. Os mercados geralmente são levados à euforia e acabam minimizando certos riscos", indica Padovani.
O otimismo com o Brasil é tanto que vários gestores estão ampliando suas recomendações de compra nos últimos dias, mesmo com um avanço já significativo dos ativos domésticos nas últimas semanas. A Bovespa, por exemplo, acumula alta de 13,4% nos últimos 30 dias. Para Padovani, ainda há espaço para subir no curto prazo, porque estamos vendo uma mudança de patamar nos preços dos ativos. "Estamos deixando para trás um momento de instabilidade política e econômica muito agudo e é natural que mudem esses patamares", explica.
O representante da Franklin Templeton também acredita que a Bovespa ainda tem muito espaço para subir. Segundo ele, o ganho de 28% do índice no acumulado de 2016 "não é nada" comparado com a destruição que houve nos últimos anos. Ele aponta que o múltiplo preço/lucro está em cerca de 11 vezes, mas se o governo perseverar nas reformas e as perspectivas de crescimento melhorarem, isso poderia subir para até 15, 16 vezes, a exemplo do que aconteceu com o México após a eleição de Peña Nieto.
Segundo Sampaio, os fundos de ações representam atualmente 4,7% do total da indústria de fundos no Brasil, de R$ 3 trilhões. Em meados dos anos 2000, na época do boom das commodities, isso chegou a 15%. "Hoje o porcentual de Brasil nas carteiras ações de estrangeiros é mínimo e pode voltar a subir. Tem um caminhão de recursos disponível para Brasil só esperando", afirma.
Economia real
Para o sócio da GO Associados, Gesner Oliveira, diferentemente do que ocorreu após a crise de 2008, a recuperação desta vez será mais lenta, porém mais consistente. Ele aponta que já há sinais claros de recuperação da confiança entre empresários e que a produção de bens de capital sobe 9% no acumulado dos cinco primeiros meses deste ano. "Confiança e produção de bens de capital em alta indicam retomada do investimento, que é justamente a nossa tese. A recuperação desta vez não virá pelo consumo, mas pelo investimento e as exportações", afirma. Nesse sentido, ele acredita que o patamar ideal do dólar seria entre R$ 3,50 e R$ 4,00 e diz que as autoridades não podem ceder à tentação de utilizar o câmbio para controlar a inflação. "Paralelamente à maior entrada de capital, é importante que se consiga combater a inflação com a credibilidade do BC, e assim se poderá reduzir os juros, estimulando investimentos".
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