Blog e Colunas

Uma história de amor

Escrito por Meon

09 JAN 2018 - 00H00 (Atualizada em 13 JUL 2023 - 13H12)

CAPÍTULO II - JOVENS, LIVRES, APAIXONADOS

Depois daquele sim, se passaram dois anos até podermos nos casar. O Jürgen estava no Brasil a trabalho, prestando assistência técnica em máquinas operatrizes na General Motors, cujo equipamento havia sido adquirido da Heller, empresa onde ele trabalhou desde a adolescência e onde trabalha seu irmão ainda nos dias de hoje. Esta empresa tem filial em Sorocaba e muitos outros países do mundo, por onde ele andou antes de nos encontrarmos. A paixão por países tropicais nasceu quando serviu as forças armadas, viajando pelo Caribe, época em que jurou que viveria num país assim e, ao completar 50 anos, compraria um barco e seria feliz para sempre.

Quando realizou o sonho do barco, aos 40 anos, minha filha que estava no carro com ele, chegando na Ilhabela, disse que ele chorou, o que era inacreditável pois eu jamais o vi chorar, nem quando numa manhã, as seis horas, seu irmão ligou, pediu para chamá-lo mesmo estando no banho pois era urgente, seu pai havia falecido de forma inesperada. Com relação ao trabalho, sempre exerceu com maestria e grande competência tendo profundo conhecimento sobre as máquinas que são enormes, controladas por computador que ele manuseia de dentro das mesmas, ficando todo sujo de graxa.

Quando chegou ao Brasil e antes de nos conhecermos, me contou que dirigia uma Kombi e ouvia walkman. Nos finais de semana dirigia até Caraguatatuba, tomava muita caipirinha, dormia na praia e voltava à noite. Eu achava tudo muito divertido, diferente. Eu estudava em São Paulo, para onde viajava todas as tardes, retornando por volta da meia noite e o encontrava no meu apartamento. Ele saia do trabalho, ia para o hotel onde estava hospedado, tomava banho e ia preparar o jantar que era sempre à luz de velas e degustando um bom vinho. Eu estava apaixonada e convicta de que queria formar uma família e ele me dizia que, se eu não quisesse ter filhos, não se casaria comigo.

Sempre gostei de viajar e ele queria conhecer tudo no Brasil. Primeiro Ilhabela, depois Rio de Janeiro, Bahia. Ele me deu uma pulseira de ouro, depois um brinco, flores e sempre tomávamos champagne a luz de velas. Quando íamos comprar roupas para ele, ele me deixava escolher tudo o que queria e me ensinou a comprar todas as peças escolhidas. Tudo era novidade para mim, porque ele era bonito, romântico, o tipo de homem que cuida da mulher. No hotel na ilha de Itaparica, fiquei famosa, porque todos queriam conhecer a garota para quem um alemão lindo havia comprado na H. Stern uma aliança de noivado e uma de diamantes.

Ele se divertia dizendo que queria pisar nos mesmos lugares por onde Schumacher, o campeão de formula 1, havia pisado quando hospedado naquele hotel. É irônico que hoje ambos estejam exatamente na mesma situação, tendo o Jürgen sofrido o acidente alguns meses antes que o seu ídolo. Tudo acontecia naturalmente, suave e colorido pois éramos jovens, livres e apaixonados. De forma divertida ele me contou que nossos filhos deveriam nascer no verão. Achei graça que alguém pudesse pensar em escolher a estação de nascimento de um filho, porque eu jamais pensaria nisto. Ele me explicou que como nasceu em novembro, nunca teve uma festa de aniversário na "cold Germany".

Nos conhecemos em agosto e ele completou 30 anos naquele novembro. Não tive dúvidas e, com algumas amigas, organizamos uma festa na Number Two, casa noturna que fez história em São José dos Campos. Todos adoravam o Jürgen e, como ele aguentava a gozação – imaginem o alemão chegando no clube, num sol de 40 graus, de meias e sandálias tipo alemã? – as pessoas queriam agradá-lo, estar junto com ele. A festa foi maravilhosa, naquele clima de paixão, amizade, alegria, juventude, descontração. O tempo foi passando e o trabalho terminando. O que viria depois?

Chegou a hora dele ir embora e a despedida no aeroporto foi de lágrimas e tristeza pois sabíamos que não queríamos nos separar. Quando algum tempo depois cheguei na gelada Alemanha me atrapalhei toda no aeroporto de Frankfurt, pois haviam cancelado o voo para Stuttgart e eu teria que viajar de trem. Peguei o trem errado e a viagem que poderia durar uma hora, no trem bala, levou quatro longas horas, cuja demora era potencializada pela minha ansiedade sabendo que ele estaria me esperando na estação. Para entrar no trem, com uma mala enorme e pesada, eu e uma garota brasileira, que conheci enquanto esperávamos, nos comportamos como personagens de uma comédia, daquelas que atropelam uma moça com um pedaço de pizza na mão que voa enquanto ela olha, incrédula, seu lanche desaparecer pela trapalhada de uma desconhecida.

A garota, que também namorava um alemão, me deu todas as dicas de como me comportar com a sogra. A regra é simples: seja perfeita. Cama perfeitamente esticada. Banheiro perfeitamente seco, incluindo os azulejos e a banheira. Nada de cabelos no chão (elas encontram fios) e etc... Cheguei em pânico e com razão, pois tudo o que foi dito correspondia à realidade e, embora à época tudo parecesse excessivo e sem sentido, hoje faz parte do meu cotidiano, com camas perfeitas e banheiros parecendo foto de revista. Fomos para um hotel maravilhoso e acordei com rosas vermelhas e champagne.

Ao chegar em Oberlenningen, cidade de quatro mil habitantes onde ele nasceu e morava, me surpreendi por ele dar voltas nas ruas próximas à casa de sua mãe, onde iríamos almoçar. Me explicou que quando o horário marcado é treze horas, você não pode chegar nem minutos antes, nem minutos depois pois, se chegar antes, a anfitriã pode não ter concluído todos os detalhes para recebe-lo e se for depois, a comida pode esfriar.

Pensei ser uma bobagem tamanha cerimônia para ir à casa da própria mãe mas aprendi que é muito confortável o horário marcado e reclamo se alguém se antecipa ou se atrasa, pois me preparo para receber e concluo os detalhes no exato momento que combinamos e toda essa minha identificação me faz acreditar que viveria em perfeita harmonia naquela cultura maravilhosa. Quando a mãe abriu a porta, me surpreendi com o carinho, a gentileza e a beleza do povo alemão. Ela parecia uma versão feminina de papai noel. Pele clara e bochechas vermelhas. Olhou para mim – eu morrendo de medo – e me disse: que lindos olhos! Me abraçou carinhosamente, forte, senti que era um abraço de verdade.

Para os alemães, olhos castanhos ou negros chamam a atenção. Seu irmão me abraçou e me levantou do chão, achando graça por eu ser tão pequena. Assim, logo estava sentada na cabeceira da mesa e eles riam por isso e diziam que minha natureza demonstrava ter personalidade forte, de comando. Mesmo surpresa com tudo o que estava acontecendo, não conseguia esconder essa força que me conduz e muitas vezes me entristece. Relembrando disso agora e pensando naquela paisagem de cinema, com tudo coberto de neve e a família reunida à mesa, conversando e rindo, dentro da casa minuciosamente decorada, charmosa e quentinha, vejo como fui agraciada pela vida por viver tanta beleza.

Meus sentimentos naquele momento retratavam a alegria de uma pessoa realmente feliz. Agora, numa das vistas mais lindas na Ilhabela, sentada ao sol e tomando uma coca bem gelada, com o corpo molhado pela ducha, sinto vontade de chorar bem alto, soluçar e perguntar a Deus porque meu amor está numa cama, inconsciente, com ar condicionado e uma enfermeira cuidando 24 horas por dia.

Amanhã à noite estarei com ele e juntos vamos comemorar a chegada de 2015. Não sei o que pedir ou cobrar de Deus. Não quero conversa com ele agora pois não posso estar aqui sem o meu esposo e não sobreviverei se ele não voltar. Quando penso que a recuperação dele é quase impossível, me falta ar. Estou cansada de tanto chorar. Quero parar. Aprendi na igreja Messiânica, cujos ensinamentos iluminaram minha alma, que você deve pedir exatamente o que quer e como Deus vai resolver isso é problema d'Ele. Então, digo a Deus que quero o Jürgen aqui comigo, no Namarry, lugar mais lindo do mundo, onde nós viemos inúmeras vezes, desde que era um restaurante bem pequenininho.

Quero ele aqui, tomando uma canelinha, que é como ela chama aquela cachaça por cuenta de la casa que nos corrompe, principalmente ao Baby, porque não sou fã de cachaça. Aliás, essa garota é incrível. A primeira vez que a vi – uma negra, linda, cabelo em coque, roupas coloridas – foi quando estava com um carro baixo e dirigi até a praia do Jabaquara, nesta estrada que era horrível, muito pior que hoje. Fazia um barulho de algo arrastando no chão. Parei e ela, olhando da varanda acima, desceu para ver como poderia me ajudar. Perguntei por um mecânico e ela disse que não havia por perto. Quando expliquei que algo se arrastava ao chão, imediatamente se deitou na terra para tentar ver o que estava acontecendo. Incrível. Nos tornamos amigas imediatamente e hoje choramos juntas todas as vezes que falamos do Jürgen.

Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.

0

Boleto

Reportar erro!

Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:

Por Meon, em Blog e Colunas

Obs.: Link e título da página são enviados automaticamente.