Antonio Fagundes na trama Meu Pedacinho do Céu
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Uma novela em tom de fábula, com narrativa de HQ, disposta a resistir às armadilhas impostas pelo processo industrial da televisão aberta: essa é a aposta de Luiz Fernando Carvalho para a releitura de Meu Pedacinho de Chão, novela de Benedito Ruy Barbosa que ocupará a faixa das 18h a partir de 7 de abril, na Globo, e sobre a qual ele fala ao jornal O Estado de S.Paulo pela primeira vez. Originalmente escrito em 1971/72 e exibido pela Globo e pela TV Cultura, o enredo de 185 capítulos será agora distribuído em apenas 100 episódios, uma pechincha perto do tamanho habitual dos folhetins atuais (que normalmente ultrapassam 150 edições) e somente 20 atores no elenco, número inferior até que muita minissérie.
A releitura de Meu Pedacinho de Chão, antes de mais nada, reedita a feliz parceria de Renascer (1993) e O Rei do Gado (1996), duas das melhores produções que a Globo já exibiu em sua faixa nobre, cujos primeiros capítulos mereceram um raro tratamento cinematográfico para a época. Em Esperança (2002), a dupla também começou junta, mas questões de saúde afastaram o autor de sua obra, prejudicada então justamente pela premência industrial que demanda longos capítulos diários e à qual Carvalho não se acostuma. Assim, o diretor conta 12 anos afastado do gênero.
A disposição em voltar ao folhetim, se é que a nova Meu Pedacinho de Chão pode ser classificada como tal, é obra de Benedito, a quem homenageará com a presença de um galinho de ferro, desses fincados em rosa dos ventos no alto de telhados. Fazendo jus à linguagem de fábula, o bichinho será animado por stop motion e funcionará como "uma espécie de testemunha ocular da história", diz Carvalho, que batizou o animalzinho como Bené, em homenagem ao autor da história.
"A forma do Benedito escrever é muito gostosa de ler, é uma forma oral, como um contador de história, ele usa muito nas rubricas as interjeições -‘hã?’, ‘e agora?’. Esse tipo de subtexto, de reação vai ser todo do galinho", diz. Bené ficará na ponta mais alta do telhado do Coronel Epa, papel de Osmar Prado, o malvado da cena.
Coronel Epa é o protagonista desse microcosmo, como define o diretor, que é Santa Fé, cidade fictícia localizada em lugar nenhum do interior do País. É uma posição que Prado nunca ocupou, a de ator principal, embora mereça "há muito tempo", lembra Carvalho.
Se o lançamento de novos atores é marca na biografia do diretor, que prefere fugir de escalações viciadas da TV, a ideia aqui é endossada pela troca de papéis. "Gosto de mesclar atores consagrados com lançamentos, e eu sempre lanço muita gente, mas, nesse trabalho, como em Renascer ou até mesmo Hoje É Dia de Maria, pego alguns atores consagrados e mudo o registro deles, e coloco esses artistas fazendo papéis que não são tão costumeiros assim. Isso também dá um frescor incrível para aquele ator."
O melhor exemplo disso está na foto que estampa esta página. "Fagundes vem fazendo Fagundes há algumas décadas", lamenta. "Aí você pega o Fagundes e coloca ele num papel que é praticamente um clown, um bufão, um dono de uma mercearia. É um descendente de italiano, mas é um clown. A caracterização, o corpo, as cores, tudo é totalmente diferente e novo pra ele. E para o espectador também vai ser divertido ver o Fagundes, brincar tanto."
Nessa mesma linha, Rodrigo Lombardi também foge da condição de galã. A ele caberá o personagem de Pedro Falcão, sujeito rústico, da terra, um antagonista do Coronel Epa, com valores mais humanistas, E tudo vem com acento caipira, devidamente estudado.
Sotaque
"Como é um elenco misturado, tem gente que já tem isso naturalmente, há tem quem tenha facilidade, mas tem gente que já precisa de uma vara de marmelo", brinca Carvalho. Para trabalhar a prosódia, o acento, termos e valores do universo caipira, o diretor convidou Renata Sofredini, filha de Carlos Alberto Sofredini, de Hoje é Dia de Maria. "Fizemos uma pesquisa da oralidade caipira muito grande. Trabalhamos com ela e ela unificou o elenco todo. Ficou muito bom, porque não é só tirar o ‘r’ cultural e entortar", fala, com acento de interior paulista, "mas é trazer também algumas interjeições e exclamações, que são tão reconhecíveis."
Além de estar localizada em lugar nenhum do interior do País, Santa Fé põe seu Pedacinho de Chão num conceito absolutamente atemporal, o que motiva a diversão de misturar cores, conceitos e figurinos à vontade, sem desprezar a tecnologia de ponta. "Há uma ingenuidade presente, uma delicadeza do olhar infantil, sem ser infantilizada, é uma história lírica e se aproxima muito de uma dramaturgia de conto de fadas, com grandes personagens, com personagens opositores, moral da história, tudo isso. É como se fosse um texto naïf".
Benedito Ruy Barbosa sempre se referiu a Meu Pedacinho de Chão como a primeira novela em que falou de reforma agrária, e o tema estará lá mais uma vez, representado por questões sociais normalmente presente em seus enredos. O foco agora passa por Serelepe, menino órfão, e se estende à abordagem de justiça, divisão e posse da terra, sem perder o tom de conto de fadas que tanto interessa ao diretor. "A forma que o opressor detém a terra, o latifúndio, é tão maniqueísta, tão simbólica, quase como um cartoon, ainda, infelizmente, para os dias de hoje, que me pareceu a forma mais direta, mais forte de passar essa mensagem é através de uma fábula, mostrando que essa figura é para o social um Darth Vader."
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