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Musical sobre Cazuza chega hoje a SP

Pouco antes de morrer, em 1990, o cantor e compositor Cazuza já pedia para não ser transformado em ícone. "Não quero que me imitem. Não quero ninguém atrás de mim. Tenho muito medo de ser porta-voz de qualquer coisa", disse ele, dois anos antes de ser vítima de um choque séptico causado pela aids. Estava com 32 anos e o seu desejo não se realizou - graças ao tom libertário e poético de suas canções, Cazuza continua referência no moderno rock brasileiro, ganhando ainda mais destaque depois da adesão dos jovens às manifestações de rua.

Foi com a fidelidade a esse espírito criativo que o ator Emílio Dantas ganhou o principal papel de Cazuza - Pro Dia Nascer Feliz, o Musical, que estreia hoje no Teatro Procópio Ferreira, depois de uma temporada de sucesso no Rio e em outras cidades.

Escrito por Aloísio de Abreu e dirigido por João Fonseca, o espetáculo narra a curta mas intensa trajetória de Cazuza por meio de seus maiores clássicos - tanto em carreira solo quanto com a banda Barão Vermelho, como Pro Dia Nascer Feliz e Codinome Beija-Flor. Também os hits Bete Balanço, Ideologia, O Tempo Não Para, Exagerado, Brasil, Preciso Dizer Que Te Amo e Faz Parte do Meu Show estão presentes no roteiro, que ainda reserva espaço para composições de Cazuza que ele nunca chegou a gravar, como Malandragem, Poema e Mais Feliz.

"Quando fui chamado pelo João Fonseca para participar do teste, não acreditei que daria certo", conta Emílio, que trabalhou com o diretor em outro espetáculo, Rock in Rio - O Musical, no qual interpretou os cantores Roger e Axl Rose. "Fisicamente, não me pareço com Cazuza e minha voz, embora de timbre semelhante, é um tom abaixo."

Mesmo assim, decidiu participar da seleção e, ao chegar ao local e se deparar com "300 Cazuzas", resolveu relaxar. "Decidi que mostraria uma atitude Cazuza e não ia ficar apenas na imitação." Assim, bastou ele mandar Codinome Beija-Flor e emendar com Brasil, com uma atitude roqueira, para que João Fonseca, Aloísio de Abreu e Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, se entreolhassem e tivessem a certeza de estar diante do intérprete ideal.

Humor e tragédia
"Emílio nos emocionou com seu jeito, com gestos que Cazuza certamente teria", conta o diretor que, acostumado a tratar com carinho de figuras emblemáticas (conferiu, por exemplo, um notável tom de ternura à vida conturbada de Tim Maia no musical em sua homenagem), encontrou o equilíbrio adequado entre humor e tragédia.
"O texto do Aloísio já segue por esse caminho, o que facilitou meu trabalho, mas bastou ser fiel ao que aconteceu: tanto Cazuza como sua família não dramatizaram nem o mais grave dos problemas. Conduziam a situação de forma honrada."

Para elaborar o roteiro do musical, Aloísio de Abreu começou conversando com as pessoas próximas a Cazuza. Em seguida, fez uma vasta pesquisa para a criação da estrutura dramática do espetáculo. "Apesar de frequentar os mesmos lugares, eu não conhecia o Cazuza. Mas sempre tive uma profunda identificação com a obra dele, que tem um quê de crônica da nossa época, revelando de forma rasgada comportamentos típicos dos jovens que todos éramos nos anos 80", comenta ainda o dramaturgo.

De fato, em sua curta carreira, Cazuza deixou uma obra conhecida mesmo por quem não curte rock - seus versos, sua rebeldia selvagem e desesperada se difundiram pela cultura brasileira e passaram a fazer parte dela. Assim, um dos destaques do musical é mostrar como os versos do poeta são cortantes como facas, e também exprimem seu desejo de fazer da vida uma festa constante.

Essa liberdade ficcional se casa com a realidade quando se vê em cena o relacionamento do biografado com drogas, álcool e sexo casual. Melhor: em nenhum, a narrativa toma partido moralista em relação a esses fatos da vida de um jovem ídolo, rebelde, genial e instável como um Rimbaud tropical.

Cazuza viveu intensamente e essa foi a chave para Aloísio criar uma narrativa ágil, que avança sempre a partir dos momentos de virada na carreira e na vida dele: desde a descoberta do teatro e a paixão pelo rock, até o momento em que resolve cantar e montar uma banda que logo se profissionalizou. O sucesso retumbante, que exacerbou o amor e provocou rupturas. A mudança no estilo da obra, o estrelato solo, a descoberta da doença, a urgência poética no fim das forças.
"As músicas se inserem quase como parte do texto. Estrutura de musical mesmo. Claro que tem momento show, mas a trajetória do Cazuza é contada pelas suas letras e a sua poesia. Tudo no texto faz parte do show", complementa Aloísio.
A equação só fecharia adequadamente com um intérprete perfeito. Emílio Dantas não se parece fisicamente com Cazuza e até precisou emagrecer um pouco para se aproximar nesse quesito. Mesmo assim, Lucinha Lins, a mãe do cantor, disse que, depois da atuação de Daniel de Oliveira no filme Cazuza - O Tempo Não Para, de Sandra Werneck e Walter Carvalho, não esperava encontrar um ator que a assombrasse tanto pela semelhança com seu filho. Foi o caso de Emílio.

"Procurei não imitá-lo, pois, no teatro, a imaginação da plateia tem de ser respeitada", conta o ator. "Assisti a muitos vídeos para orientar minha postura e treinei bem para falar com a língua presa, como Cazuza fazia, sem parecer caricato." O resultado impressiona, a veracidade via comparação é perturbadora e Emílio já vem acumulando críticas entusiasmadas e possibilidades de prêmios de atuação. Com ele em cena, é possível observar a relação trágica entre a vida breve em confronto com a arte longa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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