Imagens eram companheiras dos caboclos valeparaibanos em suas orações
Divulgação
Do final do século 18 até o início do século 20, o Vale do Paraíba foi referência em um estilo rudimentar e peculiar de arte sacra que marcou época no país. Batizado de Paulistinhas, o gênero é uma apropriação valeparaibana de elementos marcantes das esculturas populares portuguesas. As nuances históricas e estéticas deste importante período para a arte da região são tema da atividade “Paulistinhas: Imagens de um Vale Histórico”, que estreia nesta terça-feira (2) no Sesc São José dos Campos.
Com curadoria do mestre de cultura popular Magela Borbagatto, a exposição segue gratuitamente até o dia 8 de outubro. Junto com a exposição, Borbagatto também ministra a palestra “Contribuição das Paulistinhas na Construção do Vale Histórico”, que acontece nesta terça, às 19h30. A programação ainda conta com o curso de técnicas básicas de modelagem deste estilo de arte popular, que acontece entre 23 e 30 de agosto, sempre às terças-feiras.
Paulistinhas
As Paulistinhas, pequenas imagens sacras feitas de barro, seguiram, durante séculos, como companheiras nas preces do caboclo valeparaibano em suas agruras diárias. Mesmo assim, por pouco estas figuras e suas técnicas de confecção não caíram no completo esquecimento. O tesouro artístico de amplo valor histórico foi resgatado pelo trabalho de pesquisa que Borbagatto vem desenvolvendo há cerca de 20 anos.
De acordo com o artista, as peças contam com alguns elementos em comum que facilitam o seu reconhecimento. Diferente das rebuscadas imagens barrocas da época – provenientes da então rica e letrada Minas Gerais –, as Paulistinhas eram peças desenvolvidas basicamente para os pobres. Sua matéria-prima é o barro, muito mais acessível do que a madeira, onde os artistas barrocos talhavam suas obras. Os poucos adornos, a economia nas cores e o fato de serem ocas por dentro são outras características fundamentais nas imagens.
Em seu trabalho de redescobrimento e preservação desta arte, Magela Borbagatto encontrou um inconteste laço de identidade entre as peças confeccionadas no Vale do Paraíba e aquelas feitas na cidade portuguesa de Estremoz. A famosa região lusitana de artesãos do barro (cuja arte está prestes a ser declarada patrimônio cultural imaterial pela Unesco) traz, em suas obras, os mesmíssimos elementos encontrados nas figuras confeccionadas em nossa região.
“As figuras daqui utilizam-se das referências portuguesas com uma tecnologia do Vale do Paraíba. Possuem em comum o formato icônico, a figura modelada em cima de uma base em formato de saia ou facetada, são ocas até a altura da cabeça e de uso popular e doméstico”, comenta.
Origens
De acordo com o artista, há divergências sobre as origens da arte Paulistinha no Vale. O mais provável é que o estilo tenha sido trazido por um artesão militar português, natural de Estremoz, que aportou no Brasil em 1773 junto com seu batalhão para guerrear no Rio Grande do Sul. Terminado o confronto, ele teria vindo, em companhia de outros militares, para o Vale do Paraíba, onde instalou-se e passou a produzir seus materiais.
Outra teoria, menos aceita, é de que um serviçal jesuíta da época dedicou-se a difundir as técnicas enquanto esteve na região. O fato é que, de um jeito ou de outro, o estilo prosperou nas cidades de Taubaté e Guaratinguetá, disseminando-se, mais tarde, para o restante do Vale do Paraíba.
Tesouro preservado
O curso ministrado por Borbagatto estabelece esta relação entre as peças brasileiras e as portuguesas, além de proporcionar aos participantes a prática da modelagem em argila nos mesmos moldes das técnicas utilizadas na época. Promovendo essa experiência, o artista tem se empenhado num trabalho de preservação histórica fundamental para manter viva a memória deste que é um dos principais períodos da arte popular valeparaibana.
“Apesar da importância histórica, a arte Paulistinha é pouquíssimo conhecida aqui no Vale. Durante as atividades, traço esse paralelo com a arte sacra portuguesa, além de abordar os motivos que tornam este período tão rico e importante para a produção artística da nossa região”, explica.
Após séculos de prosperidade no Vale do Paraíba, o ciclo das Paulistinhas começou a terminar a partir do início do século 20, quando as figuras de gesso, baseadas em técnicas italianas, ganharam espaço. Atualmente, Magela compõe um time de pouquíssimos artistas que ainda preservam a técnica.
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