Os misterios que o Solimões reserva
Divulgação/Mônica Manir/Estadão Conteúdo
"Conta pra mim, Solimões, o que te faz furioso assim." É Lau, nosso guia, quem evoca a toada do grupo Raízes Caboclas durante o passeio de lancha à margem do rio. Quer ilustrar o cenário de barrancos caídos, árvores penduradas por um fio de raiz, bancos de areia que se formam de repente e, ao longo do tempo, chegam a virar ilhas, tudo consequência da força do rio. Conta Lau que a mãe dele morava na cidade de Tefé. É filha do Solimões, portanto, mas o revoltoso engoliu 100 metros de terra da família - e nunca mais trouxe o patrimônio de volta. "A gente cansou de tentar adivinhar o que o Solimões vai fazer", diz.
Nascido no Peru, o Solimões vai encorpando por 1.700 quilômetros até chegar a Manaus. Ali, somado ao Negro, forma o Rio Amazonas. Na verdade, um resiste ao outro por mais ou menos 6 quilômetros, se acotovelando num fenômeno bicolor observado até da Estação Espacial Internacional (ISS). Como anuncia o alto-falante do Iberostar no último dia da viagem, com os hóspedes debruçados no convés às 6 da matina, os dois rios não se envolvem de pronto porque o Solimões tem pH 6,8 e temperatura média de 27 graus, enquanto o Negro é mais ácido (tem pH 4,6) e mais quente (35 graus). "Os animais do Solimões não adentram o Rio Negro", avisa o locutor. "E o que faz aquele boto de um lado para o outro?", perguntei. Botos são seres evoluídos, alguém comenta. Não fazem diferença de cor, raça, sexo, pH, temperamento ou temperatura. Ah, bom.
No lado escuro, do Rio Negro, fica a maior parte dos hotéis e pousadas da região, porque ali não dá tanto pernilongo. Já do lado barrento moram as muriçocas, mas também a maioria dos peixes - como o pirarucu, que pode ter até 2 metros e pesar 180 quilos. Um ser colossal de água doce, cuja pesca é proibida para forasteiros e feita muitas vezes com arpões, bastões e canoas pela população ribeirinha. Os caboclos, especialmente dos vilarejos remotos, dependem do pirarucu, que chega a custar mais de US$ 200 em postos avançados.
Nos passeios de lancha, também é possível avistar até que altura foi a água na última grande cheia do Solimões, em 2012. Basta ver a madeira mais escura em palafitas acocoradas lá em cima, no morro. "A diferença chegou a 12 metros", afirma Lau. Muita gente teve de ser deslocada porque ficou isolada. Então os tempos de seca são mais tranquilos? "Ao contrário", diz ele. "Amamos o inverno." Lau explica que o caboclo não tem muita mobília. Desprega os armários, levanta as tábuas do assoalho, se precisar pesca da janela de casa. "Somos homens-anfíbios, quase branquiados", diz, rindo, o Homem do Fundo do Rio.
Palafitas exibem as marcas da última cheia
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