O que é sentir? O que são as emoções? Sempre se perguntou isso, e nunca sequer conseguiu chegar a uma resposta. Como descobrir uma sensação que não é inata para si? Mesmo que, teoricamente, assim deveria ser. Desde de sua infância isso o perseguia, a droga de uma doença, e pela doença, estava fadado a enlouquecer.
Sempre soube que era diferente, indiferente para tudo, para todos, mesmo para com os seus pais, sabia que devia os amar, mas não conseguia, não sentia afeto, não sentia nada e havia tentado, ah, como havia tentado. Era diferente, era um estranho no meio das pessoas, sabe? Quando era pequeno observava as outras crianças, via elas se divertirem, alegres, tristes, elas mostrarem verdadeiramente suas emoções, enquanto ele? Ah, ele sempre foi um mentiroso, fingia se importar e mentia sobre sentir, precisava fazer isso não? Ninguém descobriria o quão falso sempre foi, uma criança normal com pessoas normais, era isso que queriam, certo?
E foi assim que cresceu, anos se passaram, sua apatia não havia melhorado, ao menos, nunca percebeu quaisquer mudanças. Porém, até mesmo o pior ator consegue imitar sensações, correto? Bom, aprendeu expressões, aprendeu o que cada situação pedia, era simples, só tinha que copiar o que todos faziam, claro, mesmo que não fosse afetado realmente. Mas, isso era cansativo. Fingia ser uma boa pessoa, eles elogiavam, simulava ser um bom ouvinte, eles se emocionavam, mentia sobre ser compreensivo, eles agradeciam, isso também não adiantava.
Por que é que devia continuar sendo gentil, se nada mudava? Essa ideia germinava em sua mente, não via mais sentido nisso, era um gesto robótico e sentia que os agradecimentos também não passavam disso, eram vazios, tanto quanto as suas próprias ações. Era chato, mas, havia se tornado maçante, poderia apenas alterar a sua forma de agir, não é mesmo? Experimentar uma sensação nova, é, poderia fazer isso. Ser amável, nunca funcionou, nunca despertou nada em si, para variar, poderia testar seu oposto. Uma nova rotina, um novo temperamento, uma nova personalidade. Talvez... Só talvez, isso pudesse mudar algo em si, talvez isso pudesse o fazer sentir, qualquer coisa que fosse, não importava, queria isso, necessitava disso. Só não esperava que isso seria a sua ruína final para a insanidade.
E assim o fez, o homem bom? Agora era cruel. O homem ouvinte? Agora era surdo. O homem compreensivo? Agora estava morto. Cansara de mentir para si mesmo e para os outros, era bem melhor assim. A comoção ao seu redor era interessante, as pessoas estranhavam, cochichavam, o evitavam, sentia que era irônico. Não ligavam para saber o porquê da sua transformação, não, não... Mesmo as pessoas mais altruístas, mesmo as almas mais bondosas daquele lugar, não se importavam em tentar ajudar, nem mais falavam com ele.
Sabe? Conheceu um outro lado deles, eram hipócritas, assim como ele, apenas fingiam, não, nunca foram bons de fato. Curioso, talvez. Sentia um sentimento com a revelação? Não tinha certeza, nenhum pouco, mas era diferente, da sua indiferença cotidiana. Era novo, era interessante, queria saber mais sobre o que sentia sobre si e sobre o resto. Afinal, havia descoberto que não se importar com os outros não era entediante, quase se sentia divertir com isso, quem sabe fosse esse o sentimento? Não, sentia que não era algo bom. Mas o que importava? Queria continuar, iria continuar e não deixaria que nada o impedisse.
Com supervisão de Yeda Vasconcelos, jornalista do Meon Jovem.
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