A gente vinha contando fofocas. Éramos eu, mamãe e vovó. Falávamos sobre a vida alheia e sobre a família, fuxicávamos a vizinhança e dávamos boas gargalhadas.
Eu era pequena, devia ter uns 5 anos. Precisava tomar cuidado ao descer a escadinha que levava até o quintal. Sua textura feita de cimento trazia um pouco de desconforto aos meus pés descalços, mas isso já não importava mais quando eu pisava na terra, ao fim daquela escadinha. Lembro-me até hoje do cheiro daquele chão. Almiscarado, orvalhado, cheiro de coisa verde, cheiro de alguma palavra que não tem nome para usar. Cheiro de eu, mamãe, vovó e o quintal.
Ao pisar naquele chãozinho, tínhamos que desviar os bambus que formavam varais de roupa para conseguirmos chegar à sombra. Ou melhor, para conseguirmos chegar à árvore que nos daria sombra. E laranjas.
Chegaríamos a laranjeira.
Os tijolos já posicionados ao lado do tronco da árvore nos iriam servir como bancos e as plantinhas penduradas nos troncos mais superiores da árvore nos trariam mais frescor.
Vovó daria início ao ritual. Já com a faquinha de descascar laranjas em mãos, começava a colher diretamente do pé as chamadas “fedidinhas”, tipo de laranja mais saboroso de todos e com mais gosto de risada.
Eu, sentada em um dos tijolos abaixo de uma das plantas suspensas e encostada no tronco da laranjeira, podia apenas agradecer. Eu não sabia que estava agradecendo, era pequena demais para isso. Mas com certeza estava.
Eu ia pensando em minha cabeça o quanto eu gostava de mamãe, de vovó, do quintal, da árvore, da sombra e das laranjas. E ia pedindo para que nada disso acabasse nunca. Eu estava agradecendo, mas era quase como uma reza.
E ali ficávamos por horas, a tarde toda. Dávamos risadas e conversávamos sobre coisas. Celebrávamos nós. E comíamos laranjas.
Com supervisão de Yeda Vasconcelos, jornalista do Meon Jovem.
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