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Crianças teriam sofrido abuso sexual em pré-escolas municipais e famílias só foram avisadas meses depois em São José

Ao menos cinco crianças, entre dois e quatro anos, podem ter sido vítimas em duas unidades escolares; casos são investigados

Escrito por Samuel Strazzer

22 ABR 2021 - 20H38 (Atualizada em 22 ABR 2021 - 23H12)

Elza Fiuza/ Arquivo/ Agência Brasil

A Polícia Civil está investigando supostos casos de abuso sexual contra quatro crianças em uma pré-escola municipal de São José dos Campos, que teriam ocorrido em 2019 e levado ao conhecimento da direção em fevereiro deste ano. Em paralelo a esses, outro caso de abuso sexual em uma pré-escola municipal, que teria acontecido em 2018, está em tramitação na Justiça. Apesar de serem dois casos distintos, em ambos, as famílias só foram comunicadas meses depois.

O primeiro caso teria acontecido em novembro de 2018 e a mãe só ficou sabendo em dezembro de 2019. A criança, um menino, tinha três anos na época. 

O segundo caso teria acontecido durante o ano de 2019 quando quatro crianças, com idades entre dois e quatro anos, teriam sido abusadas. A escola só ficou sabendo em fevereiro de 2021 quando o suposto autor teria confessado. Porém, as mães teriam sido comunicadas somente em abril deste ano – cerca de dois meses depois que a direção ficou sabendo.  

Caso na creche Professora Eliana de Oliveira Santos Cruz

O primeiro caso teria sido registrado em novembro de 2018 no IMI (Instituto Materno Infantil) Profª Eliana de Oliveira Santos Cruz que fica no bairro Residencial Armando Moreira Righi, zona leste de São José.

Em entrevista ao Meon, a mãe de um dos alunos da unidade contou que uma agente educadora teria flagrado um outro agente educador, um homem, tocando o menino de maneira inadequada após dar banho na criança.

Ao perceber a presença da colega de trabalho, o suposto abusador teria “disfarçado” e continuado trocando a criança normalmente. A agente educadora teria relatado o ocorrido à direção da unidade alguns dias depois. A diretora, por sua vez, teria iniciado uma apuração interna sob orientação da Secretaria de Educação.

O Boletim de Ocorrência do fato teria sido registrado pela agente educadora em fevereiro de 2019 – cerca de três meses depois do suposto flagrante. Neste momento se iniciou uma investigação policial, mas nem o Conselho Tutelar, nem a família ainda tinham conhecimento do caso.

Segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), “os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais”.

Assim que a Polícia Civil descobriu o nome e dados dos pais da vítima, foi solicitado o acompanhamento da família pelo Creas (Centro de Referência de Assistência Social).

Em dezembro de 2019 – mais de um ano após o suposto flagrante – a família ficou sabendo do caso em uma reunião com um agente do Creas, ou seja, os pais não foram comunicados pela Secretaria de Educação, mas por outro órgão.

Ao ficar sabendo que seu filho poderia ter sido vítima de um abuso sexual, a própria mãe foi ao Conselho Tutelar comunicar o ocorrido. Em fevereiro de 2020, a mãe abriu um processo civil contra a prefeitura por omissão.

A família conseguiu atendimento psicológico somente em março de 2020 após uma liminar da Justiça.

O advogado da família entende que o fato da escola não ter comunicado o Conselho Tutelar, ter feito o B.O. dois meses depois do caso e demorado mais de um ano para comunicar a mãe, caracteriza omissão por parte da prefeitura.

O advogado afirma ainda que a administração pública abriu um Processo Administrativo contra o servidor acusado de ter abusado sexualmente da criança, mas negou a abertura de Processo Administrativo para apurar a conduta dos outros funcionários em relação à omissão.

Os dois processos (criminal e civil) em relação a este caso seguem em segredo de justiça. A mãe relata que tomou conhecimento de que podem existir outras vítimas nesta mesma escola.

Casos na EMEI José Madureira Lebrão

Outro caso de abuso sexual em ambiente escolar teria acontecido na EMEI (Escola Municipal de Ensino Infantil) José Madureira Lebrão em 2019.

Em entrevista ao Meon, a mãe de um aluno dessa escola – que tem Transtorno do Espectro do Autismo – disse que, em fevereiro de 2021, um agente educador teria procurado a diretora da unidade pra confessar que, no ano de 2019, teria manipulado inadequadamente o pênis de quatro meninos da escola, sendo que dois deles seriam autistas.

A mãe só foi comunicada do fato no dia 7 de abril de 2021 durante uma reunião na Secretaria de Educação. Na ocasião, ela teria sido informada sobre a confissão do servidor.

O homem teria afirmado que começou a participar de uma seita onde tomou um chá que o levou a se sentir na obrigação de contar o que havia feito.

Ele teria alegado à direção da escola que teve problemas com fimose na infância e teria tocado o pênis das crianças a fim de evitar que elas desenvolvessem o mesmo problema. Contudo, dos quatro meninos apontados, somente um teria esse quadro clínico.

Stenio Xavier da Cunha, advogado de três das quatro famílias, explica que “a apuração dos fatos encontra-se em fase de Inquérito Policial, provas e depoimentos que serão juntados neste IP e ao final encaminhados para o Ministério Público que é o titular para a propositura da Ação Penal”.

Segundo o advogado, a demora da prefeitura em comunicar as autoridades sobre a suspeita de caso de abuso pode ter prejudicado as investigações.

“Prejudica com relação aos exames de corpo de delito, onde os peritos buscam elementos materiais ou vestígios indicativos da prática de um crime e que possam elucidar e produzir provas para identificar o autor da violência”, diz o jurista.

Além da demora de comunicação dos fatos aos órgãos competentes, o advogado relata que as famílias estariam tendo dificuldades em obter ajuda da prefeitura na investigação. Stenio relata que, até o momento, seus clientes também não estão recebendo suporte por parte da administração pública.

“Até o presente momento as famílias das vítimas não foram procuradas pela prefeitura ou seus órgãos. As famílias me relataram que nenhum tipo de suporte lhes foi concedido”, diz o advogado.

O que diz a Prefeitura.

Por nota, a Secretaria de Educação e Cidadania de São José dos Campos disse que são dois casos distintos e em ambos os servidores suspeitos foram afastados das funções, foram ouvidos e instaurados procedimentos internos para averiguação. Também informou que “os casos foram enviados para as autoridades policiais e judiciais competentes”.

Disse ainda que “[...] os serviços públicos necessários ao atendimento e acolhimento dos alunos e de suas famílias foram acionados e realizam as intervenções necessárias em cada caso.

Questionada sobre qual é o procedimento caso algum funcionário identifique um suposto abuso sexual contra alunos da rede municipal, a prefeitura disse que deve ser feita “[...] a averiguação preliminar, com os órgãos competentes comunicados, assim como as famílias dos alunos”.

Disse ainda que “a Secretaria realiza capacitação, orientação e treinamento dos educadores e reforça a importância do Serviço de Orientação Educacional que conta com equipe de especialistas realizando atendimento nas escolas, mantendo parceria com as famílias para acompanhar, ajudar e orientar cada aluno em seu desenvolvimento e no processo de ensino”.

Confira as notas na íntegra ao final desta matéria.

O que dizem as autoridades.

O Conselho Tutelar informou, por nota, que “[...] tomou conhecimento sobre os casos em questão (expressamente: suspeita de abuso em duas escolas, em específico); salientamos que todas as providências inerentes a eles estão ou já foram devidamente adotadas [...]”.

Sobre o caso creche Professora Eliana de Oliveira Santos Cruz, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça informaram que o processo segue em segredo de justiça e por isso não podem se manifestar sobre.

O apoio psicológico em casos de abuso sexual contra menores de idade.

Segundo a psicóloga clínica Simone Januário, especialista em sexualidade pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), as crianças que passam por abuso sexual geralmente apresentam uma mudança de comportamento.

“Exemplos dessas mudanças são agressividade, mudanças de humor, reação diante dos adultos, dificuldades na aprendizagem ou mudança no padrão dos desenhos. Não há uma regra, cada criança se expressa como pode”, destaca.

De acordo com Simone, casos de abuso sexual despertam sentimentos como culpa, raiva, medo e confusão e por isso é de suma importância o atendimento de um profissional capacitado para tratar a saúde emocional da vítima. Diz ainda que o acompanhamento psicológico deve ser iniciado o mais rápido possível para que a criança sofra menos.

“Ao perceber algum sinal é importante que os adultos que cuidam da criança busquem ajuda do pediatra, escola ou conselho tutelar. [...] Quanto mais ágil for o encaminhamento, mais cedo a criança poderá diminuir o sofrimento psíquico”, explica a psicóloga.

Como denunciar e obter ajuda.

Em casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes, a orientação é que a família, responsável ou pessoa que tenha conhecimento do fato, registre um boletim de ocorrência na DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) ou faça uma denúncia anônima através do Disque 100 - número de emergência do Conselho Tutelar.

Segundo o advogado Stenio Xavier da Cunha, além desses canais, as famílias podem procurar a Promotoria da Infância e Adolescência, os CRAS e CREAS, A Ouvidoria Online e também, se tiver um smartphone, pode usar o aplicativo Proteja Brasil.

Notas da Prefeitura de São José dos Campos sobre os casos, na íntegra:

“A Prefeitura de São José dos Campos, por meio da Secretaria de Educação e Cidadania, esclarece que os dois casos são distintos.

Em ambos os casos, os servidores suspeitos foram afastados das funções, ouvidos e foram instaurados procedimentos internos de averiguação na junta de Procedimentos Disciplinares (Proced), como previsto no Estatuto do Servidor.

Os casos foram enviados para as autoridades policiais e judiciais competentes.

Todas as providências necessárias foram feitas para apurar rigorosamente as denúncias. Os envolvidos foram ouvidos com amplo direito a defesa.

A Secretaria de Educação reitera que os serviços públicos necessários ao atendimento e acolhimento dos alunos e de suas famílias foram acionados e realizam as intervenções necessárias em cada caso.

A Prefeitura se solidariza com as famílias e garante que todos os esforços foram feitos para garantir a integridade das crianças.”

“A Secretaria de Educação e Cidadania informa que em caso de denúncia de abuso sexual é feita a averiguação preliminar, com os órgãos competentes comunicados, assim como as famílias dos alunos.

A Secretaria realiza capacitação, orientação e treinamento dos educadores e reforça a importância do Serviço de Orientação Educacional que conta com equipe de especialistas realizando atendimento nas escolas, mantendo parceria com as famílias para acompanhar, ajudar e orientar cada aluno em seu desenvolvimento e no processo de ensino.”

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