Por Meon Em RMVale

Moradores do Banhado resistem e dizem sofrer pressão para deixar a comunidade

Atualmente, pouco mais de 400 famílias vivem no local

A história do Jardim Nova Esperança tem início em 1930, quando pequenos proprietários estabeleceram o primeiro núcleo da comunidade no chamado 'Banhado', no centro de São José dos Campos. A luta constante pela permanência desses moradores no local, considerado o cartão postal da cidade, parece não ter fim.  

As famílias que escolheram a área como moradia enfrentam um impasse entre permanecer no Banhado e resistir a pressão feita pelos governos municipais que exigem a saída deles do bairro. Desde que o local foi ocupado, projetos foram desenvolvidos para serem implatados na área verde. 

A construção da Via Banhado é um desses projetos, que prevê a interligação entre as vias Oeste e Norte de São José dos Campos para desafogar o trânsito na região central da cidade. Para isso, a desapropriação é um dos fatores que deixa incerto o futuro das famílias que vivem no local. 

Desde que assumiu a gestão, o prefeito Felicio Ramuth (PSDB) tem sido taxativo em relação à retomada do projeto executivo da obra viária e a remoção das pessoas que ocupam o local.  Uma das ações mais recentes, em outubro último,  o chefe do executivo instalou manilhas em uma das ruas de acesso à comunidade com a justificativa de que a via era irregular. A GCM (Guarda Civil Municipal) também faz a segurança na orla do Banhado e na entrada da comunidade.

Mas, segundo os moradores, a colocação dos agentes próximos da via de acesso ao bairro é para oprimir as famílias, impedindo que elas levem materiais de construção para dentro do bairro, por exemplo. 

A administração informa que por ser um núcleo congelado, em área de proteção ambiental, é proibido por lei qualquer ampliação ou construção de casas no local. A gestão complementa que a não entrada de material de construção no Banhado tem apenas o objetivo de cumprir a norma.

Nessa terça-feira (27), a Defensoria Pública ingressou com ação civil pública contra a Prefeitura de São José dos Campos em defesa das famílias que vivem no Jardim Nova Esperança. Na ação, a defensoria pede que o município não realize mais qualquer ato no sentido de intimidar ou forçar a adesão de moradores do Banhado ao plano de remoção, e que seja feita a regularização fundiária do local.

Atualmente, o Jd. Nova Esperança tem 297 famílias cadastradas na Prefeitura e outras cerca de 200 pessoas que moram no local sem nenhuma documentação.  Há casos de moradores com duas e até três gerações de filhos que cresceram e continuam no bairro.

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David Moraes, 68 anos

Meon

David Moraes vive no banhado há 58 anos e chegou na área junto de seus pais que tiravam da agricultura o sustento para a família. “De lá para cá vim pegando amor e carinho pelo bairro e não pretendo sair daqui, porque aqui está a minha vida, a vida da minha família. O banhado é o cartão postal de São José, o pulmão e rocha da cidade”, assegura.   

Moradora do bairro há 22 anos, Mirian Aparecida dos Santos, chegou ao local aos 13 anos de idade e foi levada por seu pai, que era ajudante de jardinagem. A condição financeira de sua família não permitia a aquisição de um imóvel mais caro do que o encontrado no Banhado.

“Foi aqui que cresci, criei meus filhos e construí um barzinho, onde sou micro empreendedora individual. Com muito sacrifício a gente conseguiu crescer na vida, graças ao Banhado. Por isso não quero sair daqui, eu amo o Banhado, e fora que meus filhos estudam no centro e é tudo pertinho”, conta. 

A tentativa  em retirar essas pessoas do Banhado é considerada uma ofensa aos cidadãos. De acordo com o defensor público Jairo Salvador de Souza, o que é feito contra as famílias é desumano. Segundo ele, ninguém pode ser obrigado a deixar o seu imóvel a não ser sob ordem judicial.

“O insulto feito pelos governos municipais aos moradores do Banhado fere a dignidade humana. O assédio com a comunidade é muito grande e deve parar. A todo o tempo eles sofrem pressão psicológica muito forte para deixar o local. O direito de escolha dos moradores deve ser respeitado”, afirma.

Ainda de acordo com o defensor, a Prefeitura deixou de oferecer serviços à comunidade como limpeza e poda, fez o fechamento de creche e mantém o serviço de coleta de lixo em estado precário.

Desde agosto, 14 famílias deixaram o Banhado ao aderirem o programa de transferência criado pela Prefeitura, que oferece auxílio-aluguel de R$ 700, valores fixos para a mudança (R$ 2.300) e demolição das casas (R$ 2.700). A concessão desses benefícios está estabelecida pelo Decreto Municipal 17.788/2018.

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Andrea Soares, 37 anos

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A catadora de reciclável Andrea Cristian Soares, de 37 anos, exerce a atividade há dez anos e atualmente encontra dificuldades para conseguir emprego formal. Segundo ela, a situação é muito complicada, pois as pessoas têm preconceito de contratá-la sabendo que ela mora no banhado - o que coloca em cheque a hipótese deixar o bairro. 

"Sem a reciclagem a minha vida seria de muita dificuldade, não encontro emprego na cidade. A gente distribui currículo e não consegue nada, eles têm preconceito da gente que mora aqui no Banhado. É muito difícil, tenho três filhos e preciso trabalhar para cuidar deles. E eu não sairia daqui não, porque se eu sair daqui para ir a outros lugares eu ia ficar com mais dificuldade, né", argumenta. 

Já a aposentada Evangelina de Oliveira Donato, de 75 anos, deixou a comunidade há dois anos ainda na gestão do ex-prefeito Carlinhos Almeida (PT). Evangelina criou os seus três filhos no bairro e se arrepende de ter deixado o local. Hoje ela sobrevive de um auxílio da Prefeitura no valor de R$ 500 e outro do governo federal. Atualmente, a aposentada mora em uma casa alugada por R$ 700, no bairro Dom Pedro I.

"Hoje não tenho dinheiro nem para comprar um remédio"

"Eu me arrependo de ter deixado o Banhado, hoje vivo uma situação pior do que antes. Na comunidade eu tinha amigos que considerava como a minha família, tinha gente que eu podia contar. Agora vivo de aluguel e aqui onde moro é cada um por si. Eu não tenho uma vida boa, vou continuar vivendo até quando Deus quiser mas não está fácil. Se eu pudesse voltar no tempo não teria saído de lá, hoje não tenho dinheiro nem para comprar um remédio. Se a Prefeiturar cortar esse dinheiro que eu recebo não tenho o que fazer", lamenta.  

Por outro lado, têm famílias que saíram da comunidade e estão contentes com a relidade atual. É o caso do aposentado de 59 anos que prefiriu não ter o nome divulgado por medo de represálias.  De acordo com o morador, que viveu no Banhado há cinco anos e meio, a qualidade de vida é a melhor mudança. 

"Lá eu vivia de uma forma muito precária, não tinha água e nem luz, era tudo gato [ligação clandestina], além da lama e da chuva que entrava no meu barraco. Eu só fui pro Banhado porque não tinha dinheiro para pagar aluguel em outro lugar. Hoje minha vida mudou completamente, a minha consciência também está mais tranquila por eu estar de acordo com a lei", disse. 

Representante de bairro diz sofrer opressão 

Elaine Lopez da Silva, de 35 anos, nasceu e foi criada no Banhado. Sua família é uma das mais antigas da comunidade, de 1945. Atualmente, Elaine é uma das líderes do bairro e reafirma o posicionamento de todos da comunidade "eu não saio daqui por nada, o Banhado é um lugar muito bom de se morar, de se viver. É um paraíso, rico em água, em natureza". 

A moradora fala ainda sobre a estrutura das casa e como a GCM (Guarda Civil Municipal) atua no local.

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Elaine Lopez, 35 anos

Meon

"A maioria das casas são de alvenaria, são casas fortes. A nossa água é encanada, tratada pela Sabesp, porque a Prefeitura diz que a gente bebe água de conduite e isso não é realidade. Sobre a Guarda Municipal, a Prefeitura vem dizendo que é para a segurança dos moradores e do centro da cidade, mas não é assim. A Guarda Municipal tá ali para barrar os materiais de construção, para que a gente não possa fazer reforma em nossas casas, como construir muros ou até mesmo um cômado para o filho da gente. Então não é para a segurança e sim opressão", destaca.  

 

Confira a nota da Prefeitura na íntegra:

Desde agosto, 14 famílias aderiram ao programa de transferência e se mudaram do núcleo congelado Jardim Nova Esperança, conhecido como Banhado. Esses moradores deixaram de viver em situação precária e insalubre, sem liberdade, e passaram a morar em bairros que oferecem condições de dignas de moradia.
Sendo um núcleo congelado em área de proteção ambiental, é proibido por lei qualquer ampliação ou construção de casas no local. A não entrada de material de construção no local tem o objetivo de cumprir a norma.
Os moradores que quiserem deixar o Banhado podem procurar o setor de atendimento, que fica na Rua Rubião Júnior, entre o Museu Municipal e o Shopping Centro. O funcionamento é de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 16h30. Mais informações pelo telefone 3925-6829.
Além do auxílio-aluguel de R$ 700, as famílias que aderirem ao programa recebem valores fixos para a mudança (R$ 2.300) e demolição das casas (R$ 2.700). A concessão desses benefícios está estabelecida pelo Decreto Municipal 17.788/2018.

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