O piano de madeira na sala fria se estende,
móvel que há eras sua melodia alma alguma prende,
que seus dós, seus mis, seus sís já desbotados,
esquecidos, há tanto tempo intocados,
que talvez jamais tenha feito música qualquer.
Era tempo que nos salões a dança não se erguia,
e, num visceral, tomado de alegria,
sacudia e explodia ao som dos vibrantes
admirados loucos mil semblantes.
O toque das mãos em suas teclas,
o banhar do branco leite sobre suas tábuas.
Socada na ternura de um artista,
amada na rudeza do pianista,
amálgama de sangue dele e de si.
Atirada ao salão úmido agora assiste,
vigiando a solidão em que existe,
mas teimosamente sem desafinar nota nenhuma,
como na espera que, em hora alguma,
ao provar a música de suas rijas cordas,
ao admirar seus entalhes feitos d'ouro,
ao sacudir a poeira, vestir sua coleira de louro,
seria tocada assim uma vez mais.
Mesmo que de suas notas a madeira fosse arrancada,
que com um martelo seu último acorde ressoasse
e que seria para sempre por aquele gesto lembrada,
que fosse o que fosse,
se fosse ser assim amada.
Com supervisão de Yeda Vasconcelos, jornalista do Meon Jovem.
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