Por Meon Em Opinião

Valentina: um voo pela história

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Morar em São José e trabalhar na Embraer...

Valentina nasceu e foi criada em um sítio no interior do Estado de São Paulo. Filha caçula de uma família de seis irmãos e de parcos recursos.  Desde muito cedo sabia que a sua história teria enredo diferente de seus irmãos, que por falta de oportunidade se dedicaram à vida no campo.

Apaixonada pelos livros e movida pela curiosidade sobre a vida além das porteiras do sítio, saiu de casa logo cedo, aos 11 anos, para morar na cidade e continuar estudando. Escola, estudos, novos amigos… não foi difícil se adaptar.

Para defender uma graninha, dava aulas particulares de física e matemática para os colegas de sala e, às vezes, substituía professores na zona rural.

Quando concluiu o segundo ano do ensino médio, voltou para o sítio, em férias. Numa tarde de preguiça, recebeu a visita da sua amiga e colega de turma Luciana, que foi até lá convidá-la para passear em São José dos Campos (SP). Sua mãe, que tinha parentes nessa cidade, pretendia se mudar para lá caso arranjasse trabalho e escola para os filhos.

No dia seguinte, Valentina pisou pela primeira vez em São José dos Campos para uma semana de férias. Nesses dias a rotina era levantar cedo, percorrer as escolas e as agências para preencher o formulário de solicitação de emprego. À tarde voltavam para a casa dos tios de Luciana, que ficava numa chácara no Putim, logo após a Embraer.

A primeira vez que passou em frente à Embraer ficou encantada com a empresa e com os aviões. Nesse exato momento foi fatalmente contaminada pelo “Aerococus”, doença sem cura: uma vez contaminado, você nunca mais se livra da paixão pelo avião. Passou a desejar morar em São José e trabalhar na Embraer. Aproveitou as visitas às escolas e às agências de emprego para também fazer a sua busca. 

Findos os dias de férias, o balanço foi o seguinte: apenas Valentina tinha conseguido escola, trabalho e uma pensão para morar. A família de Luciana continuaria no interior. 

Voltou para casa, juntou as economias angariadas com as aulas particulares, despediu-se dos familiares e partiu rumo a São José dos Campos, sozinha e sem nenhum vínculo de amizade ou familiar. 

A sua primeira morada foi em um beco muito pobre na Vila Maria, mas por pouco tempo.Logo fez amizades no trabalho e na escola e, junto a colegas, montou uma república numa casa melhor.

Seis meses depois que chegou a São José, deu o primeiro passo rumo à realização do sonho de trabalhar na Embraer. Conseguiu um emprego de secretária no então Centro Tecnológico de Aeronáutica (CTA), onde trabalhou durante um ano. Nesse período iniciou a faculdade de física mas não prosseguiu, por entender que não era essa a sua vocação. Resolveuentão mudar o rumo: estudar línguas e fazer um curso de secretariado para melhorar seus conhecimentos e o salário na profissão que já exercia. Buscava amadurecimento antes de escolher uma profissão definitiva e também fazer uma poupança para pagar uma boa faculdade.

Deu certo. Da sua chegada a São José dos Campos até o dia em que recebeu uma ligação do RH da Embraer, foram exatamente seis anos.

Até hoje se lembra daquele dia. Trabalhava na indústria quando atendeu uma chamada e o interlocutor perguntou se ela falava inglês e francês. Diante da sua afirmativa, perguntou se poderia iniciar uma entrevista naquele momento. 

Depois de uma longa conversa em inglês e depois em francês, estava contratada para uma vaga temporária na Embraer. Quando contou para seus amigos que iria trocar um trabalho fixo por um temporário, eles a taxaram de louca. Mas não desanimou, e foi em busca do seu sonho de trabalhar na Embraer.

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Privatização da Embraer

Reprodução

Quatro meses depois foi contratada pela Embraer e lá trabalhou por muitos anos. Nesse período se formou e trocou de profissão dentro da própria empresa. Quando tudo parecia às mil maravilhas e a sua vida estabilizada, a crise bateu às portas da Embraer. A empresa foi privatizada e muitas pessoas demitidas, inclusive Valentina.

Como sabido, Valentina estava contaminada pelo Aerococus e já não podia mais ficar longe da aviação. Saiu da Embraer e imediatamente abriu uma empresa, voltando ao departamento em que trabalhara por meio da terceirização do serviço.

No início, o volume de trabalho era pequeno, mas com o decorrer do tempo a situação econômica da Embraer melhorou, e o caminho escolhido pela empresa para a retomada do crescimento foi a terceirização de serviços. Como a empresade Valentina tinha um bom histórico, passou a ser a principal fornecedora de mão de obra.

Tudo caminhava muito bem, mas sempre houve uma grande preocupação pelo fato de trabalhar quase exclusivamente para uma única empresa, a Embraer. Um eventual rompimento de contrato poderia decretar a sua falência.

Na busca da diversificação, Valentina desenvolveu projetos editoriais para outra empresa, editando revistas de histórias em quadrinhos, sobre a cultura e a história da aeronáutica para crianças.

Quando a Embraer mudou a sua política e rompeu o contrato com diversas empresas prestadoras de serviços, inclusive com a sua, Valentina conseguiu transformar a atividade até então secundária em atividade principal. Logo vieram os livros sobre aviação.

Olhando para trás,Valentina se pergunta: o que sobrou daquela menina de fala caipira, que andava descalça pelos campos e subia em árvores? Pode afirmar, com certeza, que sobrou o amor incondicional por sua origem humilde, família e raízes. Sobrou, ainda, o gosto por andar descalça e subir nas árvores.

Olhando para a sua vida, Valentina sente-se orgulhosa pelas suas conquistas e pela capacidade de reinventar-se a cada momento de dificuldade, quando o mundo parecia desabar sobre sua cabeça.

Olhando para o futuro, sente-se com energia suficiente para enfrentar as diversidades pessoais e profissionais, tendo clareza de ser capaz de se reinventar sempre.

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