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O que é o PNEE, que o MEC busca implantar, e por que a polêmica?

Governo Federal quer incentivar a criação de classes e escolas específicas para alunos superdotados e com deficiências intelectuais; projeto está sob análise do STF

Escrito por Ana Lígia Dal Bello

07 SET 2021 - 00H33 (Atualizada em 07 SET 2021 - 13H28)

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No mês passado, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse num programa de TV que “crianças com deficiência atrapalham os demais alunos”. Apesar da repercussão negativa da fala do ministro e da suspensão do projeto pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o MEC (Ministério da Educação) mantém a defesa do PNEE (Programa Nacional de Educação Especial).

O PNEE dá às famílias o poder de decidir se as crianças que “não se beneficiam em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos” deverão ser matriculadas em escolas especiais ou não.

Segundo o Decreto n. 10.502 de 30 de setembro de 2020, o público-alvo deste programa são educandos com deficiência (quaisquer delas, não somente as intelectuais); com transtornos globais do desenvolvimento, incluídos aqueles com transtorno do espectro autista; com altas habilidades ou superdotados.

Para especialistas em educação e pais de alunos com necessidades especiais, o projeto mais segrega do que inclui, embora não obrigue por lei a matrícula numa instituição especial.

“Não estou de acordo com esse projeto. Minha filha desenvolveu muito com as outras crianças, ela ama ir para a escola e eu já acompanhei muitas aulas dela e vi o quanto ela interage com as outras crianças e as crianças também interagem com ela”, afirma Roberta Wenceslau, mãe da Mikaeli, de 14 anos, que é aluna do 9º ano da rede pública e foi diagnosticada com paralisia cerebral.

Secretaria da Educação do Estado de SP
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O que é o PNEE, que o MEC busca implantar, e o motivo da polêmica


Convivência mútua

O professor de educação especial Lucas de Faria, também da rede pública de ensino, reforça que os alunos precisam conviver em sociedade e dá um exemplo recente.

“Nós vemos os atletas paralímpicos falando que estudaram em escolas regulares, para eles, isso foi muito importante na criação de laços de amizade, na formação, no conhecimento adquirido”, relembra Faria.

“(...)As pessoas ditas ‘normais’ também precisam dessa convivência. Eu, como professor de educação especial, lecionando numa escola onde há inclusão, percebo que os demais alunos têm uma recepção muito grande aos de inclusão. Eles gostam, participam, questionam. O texto é a volta a um passado que ninguém quer. O aluno, quando sabe que vai para uma escola diferenciada, não quer ser tratado diferentemente das outras crianças, quer se sentir parte do meio”, afirma.

Questionado se o modelo de educação de hoje é, na prática, inclusivo, o docente não nega que há desafios, mas ressalta as conquistas.

“As escolas brasileiras estão se adaptando cada vez mais a esse novo processo de aprendizagem, com salas de recursos bem estruturas, atividades lúdicas para desenvolvimento motor e intelectual, com capacitação dos professores”.

Ele também fala do papel do auxiliar na sala de aula, algo previsto por lei, mas que às vezes precisa ser solicitado pelos pais ao MP (Ministério Público).

“Nós, da educação especial, estamos na escola para ser a ponte entre o aluno e o professor da sala regular, para orientar sobre como adaptar as atividades, quando necessário”.

Quem se adapta a quem ou a quê?

O professor explicou que as atividades do estudante especial são baseadas nas habilidades a serem trabalhadas com a turma toda, a diferença é que são adaptadas às necessidades e dificuldades daquele aluno. Em resumo, o conteúdo é o mesmo, mas adaptado para que seja assimilado.

Todos pela Educação
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O ambiente da escola regular prepara para a vivência no mundo

O Portal Meon também conversou com a mestre e doutora em educação Luciana Magalhães, que dá aulas no curso de Mestrado Profissional em Educação da Unitau (Universidade de Taubaté).

Para a especialista, o decreto é o oposto de desenvolvimento e afirma que é importante “ter atendimento especializado no contraturno, mas nunca deixar de frequentar a escola (regular)”.

Ela explica que a escola não preenche apenas a parte da socialização, “o contato com outras crianças, brincar, do desenvolvimento para viver no mundo; também cria estratégias, atendimento adaptado para que a criança aprenda”.

A busca por uma sociedade inclusiva começa na escola, diz a doutora. “Se a gente tivesse tido colegas com deficiências lá atrás, hoje a sociedade estaria mais aberta. O ambiente inclusivo começa na escola e se abre para o mundo do trabalho. As pessoas têm medo ou vergonha de sair na rua porque não têm acessibilidade. Se essas pessoas forem mantidas segregadas, a sociedade não vai se esforçar para incluí-las”, destaca.

As necessidades entre os estudantes variam, até mesmo entre os regulares. O que se espera dos professores é que criem estratégias diferenciadas, afirma Magalhães, experiente na formação de professores. “Tem que fazer formação, reuniões, discutir casos, em vez de dizer que não vai dar certo, que não foi formado para aquilo”.

De fato, falta preparo. Um dos motivos é que a educação especial já é negligenciada na faculdade, com poucas aulas e, às vezes, à distância.  Além disso, "a formação em serviço, prevista em lei, é feita sem continuidade”, complementa a educadora.

Questionada sobre defasagem de aprendizagem, a especialista afirma que a classe não é prejudicada pelo aluno que estiver em ritmo diferente, e cita um exemplo pertinente. “Acontece com qualquer aluno. A defasagem que vamos ter com a pandemia será muito grande. Muitos alunos que estão voltando ou voltarão à escola presencialmente terão muita dificuldade, poderão não acompanhar ou não compreender da mesma forma que o outro”.

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Política estadual

No Estado de São Paulo, a Secretaria de Educação disponibiliza para consulta pública um documento em que afirma reconhecer, há pelo menos 20 anos, o movimento internacional no sentido de abandonar as “salas especiais” e apontar para a necessidade de convivência, “com oferecimento de iguais oportunidades para todas(os), com respeito às diferenças”.

A premissa do estado, portanto, tem sido a de “oferecer Educação Especial para atendimento escolar de estudantes com deficiência, preferencialmente, em classes comuns na rede regular de ensino, com apoio de serviços especializados”.

Política municipal

Na mesma linha, a rede municipal de ensino de São José dos Campos oferece o AEE (Atendimento Educacional Especializado), que “identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que facilitam a participação dos alunos na rotina escolar”.

Segundo a Secretaria de Educação e Cidadania, as escolas municipais procuram reorganizar e adaptar o currículo em suas estruturas pedagógica e física, além de fazer adequações para eliminar as barreiras ao acesso dos conteúdos e ambientes.

Enquanto o STF ouve especialistas em educação e analisa o PNEE, o projeto continua suspenso.

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