Por Bruna Caroline Em RMVale Atualizada em 16 MAI 2020 - 15H31

A realidade do ensino à distância: relatos de estudantes que se preparam para o Enem

“Eu precisava ir até a garagem da minha casa para conseguir acessar os conteúdos”, conta Ilana

Arquivo/Meon/Reprodução
Arquivo/Meon/Reprodução
“(...) esse formato que está sendo proposto de EaD acaba atrapalhando bem mais do que ajudando”, relata Sol


Estudar à distância para o Enem pode ser mais difícil do que se imagina. Estudantes relatam que as dificuldades vão desde a falta de acesso à internet e computador, até problemas de concentração. Inclusive estudantes com maiores condições socioeconômicas relatam dificuldades nos estudos. Sendo quase um consenso a desvantagem para tentar uma vaga na universidade.

Ilana Laísa da Silva Assis, estudante de um cursinho popular em Caçapava, conta que sem um computador, tem tido que estudar pela tela do celular, o que desmotiva bastante. A estudante conta que no início da pandemia não tinha acesso à internet e usava a do vizinho. “Eu precisava ir até a garagem da minha casa para conseguir acessar os conteúdos”, relata. A jovem e a família se reorganizaram para contratar uma empresa de internet para que ela pudesse ter mais conforto nos estudos.

Além disso, estudar em casa tem sido um desafio para Ilana que é mãe. Em isolamento com seu filho, ela conta que só consegue estudar à noite e de madrugada, período que já está cansada e os estudos não rendem muito.

Para ela, estudantes da rede pública não têm estrutura psicológica para realizar o Enem este ano. Pois além de pressionados, se encontram em cenários recheados de fatores prejudiciais.

Sol Aquino de Oliveira, estudante do 3° ano do Ensino Médio da rede pública em São José, relata várias dificuldades enfrentadas para estudar à distância, “desde o ambiente que não é adequado para os estudos, com os arredores da casa sempre muito barulhentos, vizinhos dando festas, cachorros latindo” até à fragilidade da saúde mental.

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“Aqui em casa, por exemplo, o fato de eu ser uma pessoa trans já era uma questão que minha mãe não lidava muito bem e, mesmo que para algumas pessoas isso não faça grande diferença, ficar preso em um ambiente onde as pessoas não respeitam seu gênero, seu nome e, no limite, quem você é, é extremamente desgastante. E não é só esse exemplo. Outros estudantes estão lidando com situações de violência doméstica e abuso sexual, uso excessivo de álcool e drogas, familiares que relativizam seus transtornos psicológicos (como depressão, ansiedade, entre outros), entes queridos morrendo por conta da covid-19, ou mesmo aqueles que não têm o direito de ficar em isolamento social porque precisam trabalhar, caso contrário, vão morrer de fome”, conta a jovem.

Para Sol, “(...) esse formato que está sendo proposto de EAD acaba atrapalhando bem mais do que ajudando”. Ela explica que fica sobrecarregada de trabalhos com conteúdo que não aprendeu e com temas que pouco caem no vestibular.

Ela acredita que o mais coerente seria adiar o Enem e demais vestibulares. Visto que, além de todas as dificuldades citadas para a preparação dos estudantes, a realização das provas implica em aglomerações. “(...) enquanto não for seguro juntar tantos estudantes num mesmo local, corremos o risco de ter uma geração inteira de novos profissionais perdida, antes mesmo das notas saírem”, acrescenta.

“Considero a realização da prova na data atualmente marcada equivocada e injusta. Em um país como o Brasil, onde infelizmente a educação pública é na maioria das vezes precária, o que já torna a prova desigual, em meio a uma pandemia a disparidade entre os candidatos só vai aumentar”, relata Vitória Cardoso, estudante do 3º ano do ensino médio da rede particular em São José.

Para ela, “(...) exigir de um aluno que simplesmente não teve acesso ao conteúdo nesse período, seja por não possuir acesso à internet, livros, auxílio de professores, ou por estar ocupado ajudando os pais, que tenha o desempenho necessário para competir por uma vaga em uma universidade é irrealista e negligencia uma grande parte da população que conta com o Enem como sua única porta de entrada no meio acadêmico”. Vitória conta que o foco e a organização são fatores que dificultam os estudos em casa. Mas reconhece que estudar em casa também é privilégio.

Francisco Hennemanm, também estudante do 3º ano do ensino médio da rede particular em São José, acha “que as notas do Enem 2020 vão cair muito, pois diversas escolas não estão fornecendo atividades ou aulas nesse período de quarentena (...) Então eu acho que poucos serão aqueles que estarão preparados para o Enem no final do ano, o que é muito triste”. Para ele, a maior dificuldade encontrada durante os estudos na quarentena é o cansaço. “Parece que estudar tem sido muito mais cansativo comparado com quando o mundo era normal”, relata.

Polêmica

Nesta sexta-feira (15), o Ministério Público Federal (MPF) divulgou nota técnica dizendo que a manutenção do Enem durante a pandemia do novo coronavírus viola a Constituição. Isso porque, segundo os 12 procuradores que assinam o texto, a educação a distância oferecida nesse momento está cercada "de precariedade, diversidade de situações e, principalmente, desigualdade" - contrariando o que estabelece a Constituição Federal.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem insistido em manter a data do Enem deste ano nos dias 1º e 8 de novembro, apesar de pedidos de deputados, educadores e até das próprias universidades federais para que a prova seja adiada. Weintraub já chegou a dizer que o exame "é uma competição e ficou mais difícil para todo mundo".

Ainda na sexta-feira, o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Alexandre Lopes, não descartou a possibilidade de a data do Enem ser adiada, mas afirmou que "ainda seria cedo para discutir a questão". O Inep é responsável pela aplicação do exame.

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