Por Rodrigo Machado Em Cultura

'O profano e o sagrado se misturam, eles estão presentes um no outro', diz padre

Reitor do Santuário de Aparecida fala sobre homenagem à Nossa Senhora no Carnaval

reitor do Santuário Nacional, padre João Batista de Almeida

Dom Odilo Scherer durante cerimônia

Reprodução

O tabu do uso de imagens de santos e Jesus Cristo em escolas de samba chegou ao fim. A homenagem da escola de samba Unidos de Vila Maria à Nossa Senhora Aparecida marcará a história da maior festa popular do país.

A imagem da santa desfilará no Sambódromo do Anhembi, com a bênção do arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, e o aval de bispos e cardeais.

Imagem de Nossa Senhora Aparecida desfila com a Unidos de Vila Maria
A Metrópole Magazine conversou com o reitor do Santuário Nacional, padre João Batista de Almeida, sobre a presença da imagem de Nossa Senhora Aparecida no Carnaval paulistano.

Metrópole Magazine: A Igreja aceitou a homenagem da escola de samba. Como foram os primeiros contatos e a experiência?
Pe. João Batista de Almeida: A escola de samba Unidos da Vila Maria pediu à Arquidiocese de São Paulo no início de 2015 a licença para em 2017 prestar homenagem à Nossa Senhora Aparecida durante o desfile do Carnaval. A partir daí, a Unidos da Vila Maria veio até o Santuário através do cardeal dom Odilo e apresentou a proposta na reunião do Conselho Episcopal, que é responsável pelo Santuário Nacional, e foi acolhida com muita alegria por parte dos bispos e cardeais.

Pela primeira vez na história a escola de samba não terá nudez em seu desfile. Foi a própria escola que propôs isso, não foi a igreja que pediu. As escolas de samba estão cada vez menos utilizando desses recursos, parece que houve uma saturação do nu no Carnaval, pelo menos é isso o que eles nos disseram. E pelo fato do tema ser religioso e as pessoas geralmente vão à igreja com roupa apropriada, ‘roupa de missa’ como nós dizemos. Então a escola de samba achou por bem que as fantasias tivessem muito recato no que diz respeito à exposição do corpo. Mas isso não foi uma exigência da igreja. Foi a própria escola que sugeriu e se comprometeu com isso.

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Metrópole Magazine: Como foram os primeiros contatos da escola de samba quando mostrou interesse em homenagear a padroeira do país?
Pe. João Batista de Almeida: Para nós, do Santuário Nacional, foi muita alegria, nós não iríamos imaginar uma homenagem assim, nós não seríamos ousados em buscar uma escola de samba para fazer uma homenagem à Nossa Senhora Aparecida, até porque existe ainda um preconceito reinante nas nossas cabeças e, às vezes, até em nossos corações em achar que os foliões e carnavalescos são todos pagãos, o que não é verdade.

Metrópole Magazine: Como será a participação do Santuário Nacional de Aparecida no desfile?
Pe. João Batista de Almeida: A participação do Santuário é mais em assistir, porque a homenagem é da escola de samba Unidos da Vila Maria. O Santuário Nacional apenas está ajudando a escola a fazer um Carnaval de acordo com aquilo que é devoção à santa, no que diz respeito à história e à espiritualidade. A participação do Santuário Nacional vai ser também como espectador. Nós vamos assistir ao desfile de uma escola de samba na avenida homenageando Nossa Senhora Aparecida.

Metrópole Magazine: Como a igreja tem abordado a homenagem da escola de samba com os fiéis? Existe, por exemplo, um estímulo para a torcida à escola?
Pe. João Batista de Almeida: Não cabe a nós fazer isso. O Carnaval tem também esse quesito, que é uma competição entre as escolas, aquela que melhor desfile. Há também esse lado competitivo, o que para nós não interessa. O que vai interessar é a homenagem que a escola vai prestar. Claro, a gente acaba torcendo pela escola por aquilo que vai oferecer. É um presente que os foliões e carnavalescos e a própria escola estão oferecendo aos devotos de Nossa Senhora, não ao Santuário Nacional. Todos aqueles que são devotos de Nossa Senhora Aparecida vão se sentir presentes ali. A gente acaba entrando na festa, não fisicamente, mas espiritualmente, torcendo para que seja um bom desfile, para que seja um momento de devoção. Para que as pessoas que estejam na arquibancada respeitem os foliões e o que estão representando. Não é algo qualquer, é um símbolo religioso do mais alto nível.

Unido de Vila Maria homenageia Nossa Senhora Aparecida (Pedro Ivo Prates / Meon)

Ritmistas ensaiando o samba-enredo que irá encantar o sambódromo

Pedro Ivo Prates/Meon

Metrópole Magazine: Representantes da escola de samba têm participado de encontros, missas, eventos no qual a santa é reverenciada. Comente, por favor, a cultura popular e a fé.
Pe. João Batista de Almeida: Nós descobrimos que muitos foliões vêm ao Santuário. Acabamos entrando em contato com esse mundo que até então era desconhecido, achávamos que o Carnaval era coisa pagã como a maioria do brasileiro acha, e descobrimos que não. O Carnaval é uma festa popular e há milhares, se não milhões de católicos fervorosos praticantes, gente que labuta na igreja no dia a dia e está ali na escola de samba. É também um espaço onde as pessoas vivem seu apostolado, podemos dizer que é um espaço missionário da igreja. Isso vai ser muito bom, vai quebrar um pouco os paradigmas com respeito, a delimitação entre o sagrado e o profano.

Metrópole Magazine: Comemoração dos 300 anos do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida no Rio Paraíba. Um ano de homenagens. Qual é a importância para a fé dos católicos e fiéis ligados à igreja?
Pe. João Batista de Almeida: Eu creio que é desmistificar um pouco aquilo que se diz profano. O profano e o sagrado se misturam, eles estão presentes um no outro. E isso, claro, mexe um pouco com algumas pessoas que acham que a coisa tem que haver separação. O que a igreja tem feito, seguindo o Vaticano, é estar presente no mundo e ser uma ponte entre as pessoas e Deus. Como é que essas pessoas que participam do Carnaval vão chegar a Deus se na hora do Carnaval a gente fecha a porta para ela? Deus também está presente naquele momento.

Metrópole Magazine: O que achou do samba-enredo?
Pe. João Batista de Almeida: Quando participamos do lançamento da sinopse para os compositores, já sentimos que o carnavalesco estava pedindo que os compositores compusessem não uma música qualquer, mas uma oração. Ele dizia que o Carnaval de 2017 para a Vila Maria seria uma grande procissão na avenida. E em procissão a gente reza e canta. Acaba sendo uma grande prece que o povo brasileiro - através de um samba - vai dirigir a Nossa Senhora Aparecida, contando um pouco da história e da certeza que o devoto tem na intercessão dela. É uma prece que será cantada e assistida por milhares de pessoas.

Metrópole Magazine: Algum representante da igreja participará dos ensaios ou encontros com a escola de samba?
Pe. João Batista de Almeida: Oficialmente nós não temos ninguém que vai tomar parte disso. Temos alguns colaboradores do Santuário que pediram. Não estão representando o Santuário Nacional, não estão representando a igreja, estão como pessoas que gostam do Carnaval e gostam também de Nossa Senhora. É importante dizer também que o Santuário, desde o começo, se propôs apenas a assessorar a escola no que diz respeito a conteúdo. O Santuário Nacional de Aparecida não está e não subsidiará financeiramente a escola de samba Unidos de Vila Maria.

Unido de Vila Maria homenageia Nossa Senhora Aparecida (Pedro Ivo Prates / Meon)

Baianas durante ensaio no barracão da Unidos de Vila Maria

Pedro Ivo Prates/Meon

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